quinta-feira, 8 de setembro de 2011

Deus está sempre por perto...


Bento XVI

Audiência Geral

Praça São Pedro
Quarta-feira, 7 de setembro de 2011

O homem em oração

Caros irmãos e irmãs,
Retomaremos, hoje, as Audiências na Praça São Pedro e, na “escola de oração” que estamos vivendo juntos nestas Catequeses da quarta-feira, gostaria de começar a meditar sobre alguns Salmos que, como eu dizia em junho passado, formam o “livro de oração” por excelência. O primeiro Salmo sobre o qual me dedico é um Salmo de lamento e de súplica atravessado de profunda confiança, no qual a certeza da presença de Deus funda a oração que brota de uma condição de extrema dificuldade na qual se encontra o orante. Trata-se do Salmo 3, referido, na tradição judaica, a Davi no momento em que foge do seu filho Absalão (cf. v. 1): é um dos episódios mais dramáticos e sofridos na vida do rei, quando seu filho usurpa o seu trono real e o obriga a deixar Jerusalém para ter a vida salva (cf. 2Sam 15ss). A situação de perigo e de angústia experimentada por Davi se torna, portanto, pano de fundo para esta oração e ajuda a compreendê-la, mostrando-se como a situação típica na qual um Salmo como este pode ser recitado. No grito do Salmista, todo homem pode reconhecer aqueles sentimentos de dor, de amargura e, ao mesmo tempo, de confiança em Deus que, segundo a narração bíblica, haviam acompanhado a fuga de Davi de sua cdiade.
O Salmo começa com uma invocação ao Senhor:
“Senhor, como são numerosos os meus perseguidores! É uma turba que se dirige contra mim. Uma multidão inteira grita a meu respeito: Não, não há mais salvação para ele em seu Deus!” (vv. 2-3).
A descrição que o orante faz da sua situação é, portanto, marcada por tons fortemente dramáticos. Por três vezes se repete a ideia de multidão – “numerosos”, “turba”, “multidão” – que, no texto original, é dita com a mesma raiz hebraica, de forma a sublinhar ainda mais a enormidade do perigo, de modo repetitivo, quase martelante. Esta insistência sobre o número e a grandeza dos inimigos serve para exprimir a percepção, por parte do Salmista, da absoluta desproporção existente entre ele e seus perseguidores, uma desproporção que justifica e fundamenta a urgência do seu pedido de ajuda: os opressores são muitos, assumem o controle, enquanto que o orante está sozinho e desamparado, à mercê de seus agressores. No entanto, a primeira palavra que o Salmista pronuncia é “Senhor”; o seu grito começa com a invocação de Deus. Uma multidão ameaça e se insurge contra ele, gerando um medo que agiganta a ameaça fazendo-a parecer ainda maior e mais aterrorizadora; mas o orante não se deixa vencer por esta visão de morte, mantém firme o relacionamento com o Deus da vida e a Ele, antes de mais, se dirige, em busca de ajuda. Porém, os inimigos tentam também quebrar este vínculo com Deus e destruir a fé de sua vítima. Eles insinuam que o Senhor não pode intervir, afirmando que nem mesmo Deus poderá salvá-lo. A agressão, portanto, não é apenas física, mas também toca a dimensão espiritual: “o Senhor não poderá te salvar” – dizem –, o núcleo central do espírito do Salmista é agredido. É a extrema tentação a que o crente é submetido, é a tentação de perder a fé, a confiança na proximidade de Deus. O justo supera a última provação, permanece firme na fé e na certeza da verdade e na plena confiança em Deus, e exatamente assim encontra a vida e a verdade. Parece-me que aqui o Salmo acaba tocando-nos muito pessoalmente: em tantos problemas somos tentados a pensar que, talvez, Deus não me salve, não me conheça, talvez não haja possibilidade; a tentação contra a fé é a última agressão do inimigo, e devemos resistir a isto e, assim, encontrar a Deus e encontrar a vida.
O orante do nosso Salmo é, portanto, chamado a responder com a fé aos ataques dos ímpios: os inimigos – como eu disse – negam que Deus possa ajudá-lo, ele, porém, O invoca, O chama pelo nome, “Senhor”, e depois se volta a Ele com um “tu” enfático, que expressa um relacionamento firme, sólido, e encerra em si a certeza da resposta divina:
“Mas tu és, Senhor, para mim um escudo; tu és minha glória, tu me levantas a cabeça. Apenas elevei a voz para o Senhor, ele me responde de sua montanha santa” (vv. 4-5).
A visão dos inimigos, agora, desaparece, não venceram porque quem crê em Deus é seguro que Deus seja o seu amigo: permanece apenas o “Tu” de Deus, aos “muitos” se contrapõe agora apenas um, mas muito maior e muito mais poderoso do que muitos adversários. O Senhor é ajuda, defesa, salvação; como escudo protege que se confia a Ele, e o faz levantar a cabeça, no gesto de triunfo e de vitória. O homem não está mais sozinho, os inimigos não são imbatíveis como parecem, porque o Senhor escuta o grito do oprimido e responde do lugar de Sua presença, do Seu monte santo. O homem grita, na angústia, no perigo, na dor; o homem pede ajuda, e Deus responde. Este entrelaçar-se de grito humano e resposta divina é a dialética da oração e a chave de leitura de toda a história da salvação. O grito exprime a necessidade de ajuda e recorre à fidelidade do outro; gritar quer dizer fazer um gesto de fé na proximidade e na disponibilidade à escuta própria de Deus. A oração expressa a certeza de uma presença divina já experimentada e acreditada, que na resposta salvífica de Deus se manifesta em plenitude. Isto é relevante: que, na nossa oração, seja importante, presente, a certeza da presença de Deus. Assim, o Salmista, que se sente assediado pela morte, confessa a sua fé no Deus da vida que, como escudo, o envolve com uma proteção invulnerável; quem pensava que já havia perdido pode levantar a cabeça, porque o Senhor o salva; o orante, ameaçado e ridicularizado, está na glória, porque Deus é a sua glória.
A resposta divina que acolhe a oração dá ao Salmista uma segurança total; mesmo o medo acabou, e o grito se aquieta na paz, numa profunda tranquilidade interior:
“Eu, que me tinha deitado e adormecido, levanto-me, porque o Senhor me sustenta. Nada temo diante desta multidão de povo, que de todos os lados se dirige contra mim” (vv. 6-7).
O orante, mesmo em meio ao perigo e à batalha, pode adormecer tranquilo, numa inequívoca postura de abandono confiante. Ao seu redor os adversários se dirigem contra ele, são tantos, se erguem contra ele, escarnecem e tentam fazê-lo cair, mas ele, pelo contrário, se deita e dorme tranquilo e sereno, seguro da presença de Deus. E, ao despertar, encontra Deus ainda ao seu lado, como guardião que não dorme (cf. Sl 120, 3-4), que o sustenta, o segura pela mão, nunca o abandona. O medo da morte é vencido pela presença dAquele que não morre. E mesmo a noite, povoada de temores atávicos, a noite dolorosa da solidão e da espera angustiada, agora se transforma: aquilo que evoca a morte se torna presença do Eterno.
À visibilidade do ataque do inimigo, maciço, imponente, se contrapõe a invisível presença de Deus, com toda a sua invencível potência. E é a Ele que, novamente, o Salmista, depois de suas expressões de confiança, dirige a oração: “Levantai-vos, Senhor! Salvai-me, ó meu Deus!” (v. 8a). Os agressores “se dirigiam” (cf. v. 2) contra a sua vítima, quem, porém, “se levantará” é o Senhor, e será para abatê-los. Deus o salvará, respondendo ao seu grito. Por isso, o Salmo se encerra com a visão da sua libertação do perigo que mata e da tentação que pode fazer perecer. Depois do pedido dirigido ao Senhor de se levantar para salvar, o orante descreve a vitória divina: os inimigos que, com sua injusta e cruel opressão, são símbolo de tudo aquilo que se opõe a Deus e ao seu plano de salvação, são vencidos. Feridos na boca, não poderão mais agredir com sua violência destrutiva e não mais poderão insinuar o mal da dúvida na presença e na ação de Deus: o seu falar insensato e blasfemo é definitivamente desmentido e reduzido ao silêncio pela intervenção salvífica do Senhor (cf. v. 8bc). Assim, o Salmista pode concluir a sua oração com uma frase de conotações litúrgicas que celebra, na gratidão e no louvor, o Deus da vida: “Sim, Senhor, a salvação vem de vós. Desça a vossa bênção sobre vosso povo” (v. 9).
Caros irmãos e irmãs, o Salmo 3 nos apresentou uma súplica cheia de confiança e de consolação. Rezando este Salmo, podemos fazer nossos os sentimentos do Salmista, figura do justo perseguido que encontra em Jesus a sua realização. Na dor, no perigo, na amargura da incompreensão e da ofensa, as palavras do Salmo abrem o nosso coração para a certeza confortante da fé. Deus está sempre por perto – mesmo nas dificuldades, nos problemas, nas obscuridades da vida –, escuta, responde e salva do seu modo. Mas é preciso saber reconhecer a sua presença e aceitar os seus caminhos, como Davi na sua fuga humilhante do filho Absalão, como o justo perseguido do Livro da Sabedoria e, em última instância e de forma mais completa, como o Senhor Jesus no Gólgota. E quando, aos olhos dos ímpios, Deus parece não intervir e o Filho morre, exatamente então se manifesta para todos os crentes, a verdadeira glória e a definitiva realização da salvação. Que o Senhor nos dê fé, venha em auxílio da nossa fraqueza e nos torne capazes de crer e de rezar em toda angústia, nas noites dolorosas da dúvida e nos longos dias de dor, abandonando-nos confiantes a Ele, que é nosso “escudo” e nossa “glória”. Obrigado.

* Extraído do site do Vaticano, do dia 7 de setembro de 2011. Traduzido por Paulo R. A. Pacheco.

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