quinta-feira, 20 de dezembro de 2007

Educação e (de)formação

Se, por um lado os dados estatísticos, no Brasil e na América Latina, demonstram uma tendência ao aumento nas taxas de alfabetização, não podemos fechar os olhos para os índices de “analfabetismo funcional”[1].
No Brasil, os indivíduos com idade superior a 15 anos de idade, com domínio das letras – ou seja, com um mínimo de quatro anos de escolaridade – mas incapacidade de interpretação de um texto, no ano de 2007, chegou a 37% da população (Cf. Instituto Paulo Montenegro, 2007). E a freqüência de pessoas nessas condições vem aumentando, cada vez mais, na realidade universitária do país (que, segundo a última pesquisa do IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística –, no último ano, teve o maior percentual de jovens universitários da história: 12,1% da população entre 18 e 24 anos ingressou no ensino superior em 2007, no Brasil).
Pergunto-me qual a validade de um tal dado, se levarmos em consideração o fato de que, no Brasil, desde a década de 90, instituiu-se uma política educacional que visava – segundo afirmam os pedagogos e cientistas da educação dos prestigiosos institutos de pesquisa brasileiros – a resolução de dois problemas: a baixa auto-estima dos estudantes brasileiros e os índices de repetência e abandono da escola. Estamos falando da “Progressão Continuada”.
Diante dessa política, torna-se praticamente impossível analisar adequadamente os dados referentes ao Indicador Nacional de Alfabetismo Funcional (INAF): anos de escolaridade coincidiriam com anos de aprendizado e alfabetização? Sendo que o aluno não pode mais ser reprovado nas séries iniciais, onde está a garantia de uma alfabetização adequada? Não que a “reprovação” seja o critério de avaliação, mas para quê critérios de avaliação se o aluno, tendo ou não aprendido, irá progredir continuadamente em sua “(de)formação”? Ou seja, o que provam os “mais de quatro anos de escolaridade” para que uma pessoa seja considerada funcionalmente alfabetizada?
Enquanto que o INEP – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira –, de olhos fechados para a realidade, insiste em dizer que “a resistência à progressão continuada alimenta-se da ignorância”, insiste em afirmar que a progressão continuada é uma medida de inclusão social, são evidentes os efeitos perversos dessa medida para quem, minimamente, se implica com a experiência educativa. O que está em questão não é tanto se se deve ou não reprovar o aluno, mas o efeito de uma medida que, inicialmente, estava totalmente justificada, ideológica e falaciosamente – diga-se de passagem –, a partir dos mais “respeitados fundamentos da ação educativa”.
É verdade que o problema é do sistema de ensino, mas quem foi que disse que se eliminando a reprovação resolver-se-ia o problema da culpabilização dos alunos? Enquanto enxurradas de argumentos filo-marxistas foram escritos contra o fracasso escolar, apontando-se para os defeitos neo-liberais, tradicionalistas e reacionários do sistema de ensino nacional, tirou-se a culpa das costas dos alunos e se a lançou sobre as costas do Cirineu professor... e o sistema de ensino continuou incólume às críticas. Resultado disso? A educação continua um lixo, os alunos continuam fracassados, os professores continuam incompetentes, mas os índices e as estatísticas descrevem uma Nova Utopia.

[1] Segundo o Instituto Paulo Montenegro, que divulga os dados do INAF/Brasil – Indicador Nacional de Alfabetismo Funcional –, “a definição sobre o que é analfabetismo vem, ao longo das últimas décadas, sofrendo revisões significativas, como reflexo das próprias mudanças sociais. Em 1958, a UNESCO definia como alfabetizada uma pessoa capaz de ler e escrever um enunciado simples, relacionado a sua vida diária. Vinte anos depois, a UNESCO sugeriu a adoção dos conceitos de analfabetismo e alfabetismo funcional. É considerada alfabetizada funcional a pessoa capaz de utilizar a leitura e escrita para fazer frente às demandas de seu contexto social e usar essas habilidades para continuar aprendendo e se desenvolvendo ao longo da vida. Seguindo recomendações da UNESCO, na década de 90, o IBGE passou a divulgar também índices de analfabetismo funcional, tomando como base não a auto-avaliação dos respondentes mas o número de séries escolares concluídas. Pelo critério adotado, são analfabetas funcionais as pessoas com menos de 4 anos de escolaridade” (Instituto Paulo Montenegro, 2001, p. 3). Analfabetismo funcional, portanto, indica a incapacidade para a interpretação de textos entre aqueles que aprenderam a decodificar a língua escrita.

Nenhum comentário: