Asunción, 13 de janeiro de 2009.
Caros amigos,
A realidade se impõe e obedecer a ela é a coisa mais dramática, difícil e bela. Difícil, mas simples: basta olhar para ela. Difícil porque partimos dos estados de ânimo, do humor, dos preconceitos, do quanto respiramos o sistema dominante – mais ou menos conscientes disso. Eis então alguns fatos que me comovem, porque a realidade é mesmo bela e dramática.
1. Voltei do Brasil, há pouco. O calor é terrível, aqui, e estavam me esperando para a segunda parte da Colônia de Férias de verão. A primeira parte tinha sido em dezembro. Deixo a vocês imaginar o que quer dizer, para mim, com 62 anos, com um calor impressionante, colocar-me imediatamente ao trabalho com as crianças mais todo o resto. Porém, a realidade é amiga e eis-me aqui, desde as nove da manhã, no meio das crianças. A educação só acontece assim: estando e comunicando a paixão pela realidade. Como posso deixar todas estas crianças na rua ou vendo televisão etc.? Não, a realidade pede uma outra coisa... e, então, deve-se obedecer.
Por isso, digo sempre que é muito mais difícil obedecer à realidade que aos superiores. Neste caso, a realidade me pede uma coisa que os superiores não pediriam e um burguês diria: “estou pronto... fiz tudo o que tinha sido pedido e, sendo que é verão, mereço, agora, umas férias”. A realidade, ao não me deixar “repousar”, me faz repousar, porque, com este calor toda manhã, com as crianças que são um terremoto, devo colocar-me de joelhos... e este é o repouso.
2. As férias com os Zerbini... um mundo que sempre vivi aqui com alguns amigos, mas que certamente – desculpem-me se sou impertinente – não via mais desde quando Giussani, por causa da doença, não pôde mais guiar o movimento. Dou-me conta de que somente Carrón poderia – e nos está testemunhando isso – fazer-nos reviver, rejuvenescer no carisma de Dom Gius. Meu Deus! Não tem uma única palavra desse homem que não me faça “chorar” de comoção. Com ele, voltei ao início, a quando encontrei Giussani. Como é evidente que, para os simples de coração, ele tem uma única preocupação: levar-nos para o coração do carisma. Com ele, Giussani não é mais um mito ou um “era uma vez...”, como nas fábulas, mas alguém que existe hoje, alguém que é possível hoje, que acontece hoje. O encontro com os Zerbini foi viver com intensidade esta posição, esta aventura. Depois de anos em que vivi quase sozinho ou com poucos amigos a aventura da primeira hora, da grande história dos inícios e que os velhos como eu – sim ou sim – se recordam; depois desses anos, reencontrei, de modo surpreendente e comovente, como João e André, o rosto humano do Mistério. Olhar para os Zerbini foi rever a minha humanidade. Olhando para eles e, com eles, olhando Carrón, o meu eu se manifestou a mim, uma vez mais, em todo o seu esplendor. Alguns exemplos:
a) o entusiasmo pela realidade que reconhece em tudo os sinais inconfundíveis de Cristo. Passamos horas e mais horas falando da realidade, quer dizer, falando de Cristo, porque, como diz São Paulo ao Colossenses, “a realidade é o corpo de Cristo”. Ele não diz que “o corpo de Cristo é a realidade”. É partindo da realidade, na sua totalidade, que posso tocar e abraçar o leproso que tenho na clínica, ou o doente de AIDS com tuberculose. Se fosse o contrário, eu teria uma imagem de Cristo que não me permitiria fazer nada disso. Com Cleuza, Marcos e Bracco (responsável nacional de Comunhão e Libertação no Brasil; ndt), viajamos horas de carro, com um calor que, para mim, é um sofrimento, porém se nos darmos conta, porque estávamos falando de tudo e em tudo era claríssima a Presença de Cristo. Era como, quando comia, saia de férias, fazia uma boa caminhada, em Corvara, com ele. Ele nos fazia saborear Cristo em tudo. Nele, tudo era unido. Ele se comovia com as agulhas dos pinheiros. Velhos amigos, vocês se lembram ou não? Ou será que nos tornamos – como disse Cleuza – os exegetas, os intermediários de Giussanie ou da Escola de Comunidade?
Com os Zerbini é impossível reconduzir as coisas a Cristo, porque eles nos fazem descobrir dentro de todas as coisas a res, a presença de Cristo.
b) o ímpeto missionário. Vocês se lembram quando nós fazíamos um mar de filipetas, ou quando íamos para a praia ou para a montanha para panfletar, ou para vender as revistas, quando uma comunidade visitava a outra, quando se rezava “as horas” (refere-se às horas litúrgicas da tradição da Igreja – basicamente, Laudes, Hora Média, Vésperas e Completas –; ndt) na frente da escola, na universidade, quando a vida era “uma audácia ingênua”, como dizia o Gius para se referir ao ímpeto missionário? Vocês se lembram quando a gente julgava tudo e se retinha o valor? Vocês se lembram quando, em todos, o ideal da virgindade fascinava e o desejo de missão queimava a “bunda”? Pois bem, para mim, sempre ficou assim por pura garça, mas hoje vejo a mesma coisa brilhar nos Zerbini. Eles são aqueles que a gente era, mas com um maturidade impressionante. Eles fazem o que a gente – burgueses e cômodos, como diria a Cleuza – não faz mais. Vocês entendem como o Brasil inteiro está marcado por esta presença? Vocês entendem por que só agora eu compreendo o que Paulo VI disse: “a América Latina é a esperança da Igreja”? Mas, como isso pode ser possível se, aqui, um bispo se tornou Presidente? Como, se toda a América Latina segue a teologia da libertação? Carrón, no Natal, nos falava do tronco seco do qual desponta o brotinho: é isto o que está acontecendo aqui, entre nós... aqui onde finalmente vejo a realização da profecia de Paulo VI. Estes homens que guiam mais de 100 mil pessoas – eu as vi e passei alguns dias com eles – estão carregando a semente de uma novidade destinada a dar a todos uma esperança, um ardor novo... sempre que somos “humildes e simples”, como nos lembra Carrón. A panfletagem que eles fizeram em São Paulo – dois milhões de panfletos – me faz reviver o que sempre vivi. No Natal, aqui neste país pobre, nós distribuímos 20 mil panfletos com o artigo do Carrón. Agora vocês conseguem entender por que o Vice-Presidente da República, parlamentares, ministros, mendigos, bêbados, vêm para cá, para nos encontrar. Estando com os Zerbini e vendo tudo isto, eu revi toda uma história que, hoje, se parece com aquela que vivi há 35 anos atrás, mas com uma espessura única. A política: mas quem faz politica como eles, com a consciência que eles têm? Cleuza – o grito dos pobres, a “sindicalista” que grita – e Marcos – o deputado calmo, preciso, que escuta, acolhe e leva avante, com clareza e amor o grito dos pobres, no parlamento... Se os nossos políticos os vissem, se vissem o que a periferia de São Paulo, onde eles moram, está se tornando, se entusiasmariam... se fossem simples de coração.
c) a Escola de Comunidade. É a vida, a realidade que fala. Não se faz exegese. Uma breve leitura do texto, 15 minutos de meditação – ali mesmo, no salão com 2 mil pessoas – e, em seguida, perguntas ou relatos de fatos, de experiências de vida. E a vida muda.
d) o acolhimento: o coraçao de tudo é a necessidade, a necessidade de cada um. Por isso, me senti abraçado, acolhido. Não me deixaram sozinho nem por um segundo. Levaram-me para o aeroporto... E, como eu havia me enganado de aeroporto, e vendo-me nervoso, Cleuza me disse: “padre, é a Providência... é a Providência... assim, podemos ficar uma hora a mais com você”. E me levaram de um aeroporto a outro... E enquanto eu não desapareci por detrás dos vidros, eles não me deixaram. Era como se eu tivesse voltado 20 anos no tempo, quando Giussani me acompanhou a Linate (aeroporto em Milão; ndt) para tomar o avião para o Paraguai.
Marcos e Cleuza me levaram para conhecer o ginásio onde será realizado o encontro com Carrón, na metade de fevereiro. Pediam-me conselhos... que humildade! E, finalmente, decidiram, com 30 universitários, virem para Asunción, para ver o que o Mistério está fazendo aqui. Exatamente como sempre foi para mim, quando eu ia encontrar as pessoas, visitar comunidades, relatar experiências em todas as partes do que eu havia encontrado. O Brasil vem ao Paraguai e o Paraguai vai ao Brasil.
Onde existem pontos inconfundíveis do Mistério, quem é vir – homem – sente o fascínio da atração, do desejo de ir. Vocês se lembram, sexagenários como eu, de como era 30 ou 40 anos atrás? Agradeço a Deus que permitiu, a mim, pecador, ser ainda assim e ser feliz. Dessa forma, uma vez ao mês eu irei viver um dia com eles. Preciso olhar para eles, porque olhando para eles reencontro eu mesmo. Estes dias foram um presente, um belo presente para os meus 62 anos que estão chegando.
Tchau!
Com afeto
P.e Aldo
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