quarta-feira, 27 de maio de 2009

Cartas do P.e Aldo 59




Pessoal, havia me esquecido dessa carta de 09 de outubro de 2008. Aí vai! Essa, portanto, é a última carta antiga que tenho do P.e Aldo. Se alguém tiver cartas anteriores à última de setembro de 2008 e quiser me mandar para traduzir, ficarei contente... e, tenho certeza, ficarão também contentes os que têm tão fielmente visitado este blog desde que comecei a postar as cartas do P.e Aldo.


Asunción, 09 de outubro de 2008.
Caros amigos,
Meu coração se rasga ao ver os meus três filhinhos, Cristina, Victor e Aldo, marcados pela dor. Há dias que sofrem terrivelmente. Cristina chora, soltando gemidos indescritíveis. Tem cerca de dois anos, é cega, surda, hidrocéfala e tem outras deficiências. Quando a pegamos nos braços, não sabemos onde apoiar sua cabeça. Está ali, na sua caminha, beijo-a com ternura, coloco meu rosto perto do dela... e ela se aquieta um pouco e, depois, recomeça a chorar. Não tem ninguém no mundo, tem apenas os nossos, os meus carinhos. A sua doença – dizem os meus caros médicos – tem origem nos mal-tratos que sofreu quando nasceu. Está há mais de um ano comigo. Ao lado dela, o meu pequeno Victor, que todos já conhecem. Estes dias são terríveis para ele. Febre de 39°, emplastros de água fria, a cada 10 minutos devemos medir a sua temperatura, convulsões contínuas, aperta fortemente os pequenos punhos, respira com dificuldade, o seu peito enche e esvazia pelo esforço contínuo de respirar. Geme continuamente. Estou assentado ao seu lado, tenho os olhos mais que vermelhos e o coração em pedaços... rezo, estou em adoração, faço-lhe um carinho nas mãozinhas, o aproximo de mim, beijo-o delicadamente, o chamo suavemente. Não podemos movê-lo com facilidade, a sua cabeça, que é um pequeno lago, não nos permite. No entanto, as minhas caras e ternas enfermeiras o fazem, porque atrás da cabeça já tem três grandes feridas de decúbito. São feridas abertas, que aumentam a sua já grande dor. Qualquer um que o veja não consegue ficar mais de alguns minutos sem o risco de desmaiar. Todos cheios de perguntas e, particularmente, “por quê? Para quê?”.
Eu, com as minhas enfermeiras, estamos ali com ele. Pessoalmente, não consigo deixá-lo sozinho, apesar dos tantos empenhos que me obrigam e eu sofro ainda mais. Hoje, por exemplo, é domingo: acordei às 4h45. Tinha um retiro com as crianças da primeira comunhão na fazenda que temos a 40km de Asunción, onde vivem os doentes de AIDS não terminais. Depois, às 13h, corri para casa, onde me esperavam as crianças das duas Casinhas de Belém para um churrasco. São 20 crianças de 6 meses a 12 anos de idade, confiadas a mim. Uma grande mesa com a mamãe Cristina e nós 4, sacerdotes: um espetáculo único. Todos juntos, comendo, cantando, rindo. Os recém-nascidos nos carrinhos com a mamadeira nos braços. Mas, que bela família somos!, eu disse num certo momento. Mas, o meu coração estava na clínica... e, assim, voltei para ver as minhas pequenas hóstias brancas. Fiquei com eles, recitando o breviário, rezando por todos vocês. Desta vez, fixei os olhos de Aldo, o meu filho adotivo, com a sua cabeça de 50 cm de diâmetro e um corpo longo e fino como um palito de dentes. Quando se mexe, primeiro gira a enorme cabeça e, por consequência, todo o resto do corpo vai junto. Faz já 15 dias que não ri mais, não vai mais bagunça com os objetos que lhe colocamos nas mãos. Está sempre virado para o imóvel e dolorido Victor. Desde quando Victor e Cristina pioraram ele também piorou. Comove-me, coloca-me em adoração porque vejo concretamente o que é o corpo místico de Cristo... que sofre quando um outro sofre, que faz bagunça quando o outro goza de alegria. Como explicar de outra maneira este estranho relacionamento entre as três crianças?... das quais epenas o meu filho adotivo – mas também os outros são meus filhos, mesmo que não reconhecidos pela lei – vê e escuta, porém é mudo... e que, segundo o acordo com o juiz, lhe demos 10 anos de idade, com data de nascimento fixada no dia de Natal: 25 de dezembro de 1998... A única explicação, de fato, é que o Mistério que os faz em cada momento, os coloca juntos, fazendo deles três um movimento de fé único e indispensável para mim, para vocês, para a Igreja, para o mundo!
Sofro tanto quando os olhos e os olhos 24 horas por dia e cuido desta minha pequena comunidade com muito ciúme... cuido desta comunhão que é, de fato, libertação, isto é, exaltação do meu eu, da minha consciência de ser relacionamento com o Mistério. Os gemidos terríveis e fortes de Cristininha, ou os gemidos fracos, sutis mas mais dolorosos de Victor e o silêncio cheio de tristeza do meu pequeno e comprido Aldo, me fazem entender que a beleza da vida está no meu nexo ontológico com o Mistério. Fenomenicamente falando, parecem “inúteis”, diria o diabólico mundo (para mim, são belíssimos mesmo no aspecto, como o é cada filho, como é o mendigo cheio de sujeira que chega ao meu hospital moribundo e podre), mas ontologicamente são Jesus, entendem?... São Jesus: é a minha pequena companhia de Jesus, é a minha pequena “Redução” que faz o mundo respirar. Cabe a mim cuidar deles e cabe a vocês sustentar-nos com a oração.
Depois da Missa das 15h, voltei para dar um beijo de boa noite aos meus outros filhinhos das duas Casinhas de Belém. Estavam todos assentados em torno da grande mesa com a mamãe Cristina, enquanto os bebês já estavam nos seus berços dormindo. Assentei-me com eles. Estavam felizes. É difícil, para eles, entenderem aquele estranho relacionamento entre mim (o papai) e Cristina (a jovem mamãe que ficou sozinha com um filho natural e as outras duas pequenas mortas na minha clínica... e com o marido morando na Espanha, para trabalhar), mas a virgindade é uma linguagem, é a única linguagem que mesmo as crianças compreendem e, por isto, nos querem um bem do outro mundo. As crianças me pularam no pescoço e, depois de tantos beijinhos, contamos piadas por meia hora. Mas, que bela é a virgindade! Faz viver uma ternura com Cristina que, depois, se torna paternidade, maternidade por estas crianças.
Às 21h, todas estavam na cama. Dei em cada um beijinho de boa noite, rezamos... e, depois, agora, já sabem vestir o pijaminha, de forma que tenho um trabalho a menos. São 8 meninas, 4 meninos e 3 bebês. Algumas têm AIDS, outras foram violentadas por seus “padrinhos”, outras são filhas de ninguém. Ou melhor, Deus as deu para mim. Por último, saúdo Cristina com um beijinho na testa (é pequena e bela) e volto para o convento, na companhia dos meus confrades. Porém, antes, vou à clínica porque me esperam... mesmo as belas enfermeiras do turno da noite. Beijo os meus pequenos doentes, toco-lhes e me faço o sinal da cruz, um beijo (são os últimos do turno), passo pelo Santíssimo Sacramento para confiar-Lhe o dia. Às 23h vou para a cama... um pouco de sonífero com um pouco de anti-depressivo (como veem, obedeço até mesmo ao médico... e não me dá fastídio usar aquilo que a ciência nos presenteia para viver melhor... tudo o que é bom vem de Jesus) e durmo, durmo o necessário, já que às 04h45min deverei estar de pé para a hora de ginástica – corro, recitando os 4 mistérios do Rosário, assim, desde segunda feira e a cada dia, inicio contemplando toda a vida de Jesus.
E, na segunda-feira que vem, pela manhã, receberei o Vice-Presidente da República, o Vice-Ministro das finanças e, na próxima semana, virá também o nosso amigo Ministro das Instrução Pública para recitar as laudes comigo, Paolino e Daf (o último sacerdote que P.e Massimo nos presenteou).
Ciao e boa noite.
P.e
Aldo
Anexo as fotos dos meus três filhinhos.

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