Por Dom Carlo Maria Cardeal Martini
Enquanto o Natal suscita instintivamente a imagem de quem se joga com alegria (e também cheio de saúde) na vida, a Páscoa é ligada a representações mais complexas. É o acontecimento de uma vida passada através do sofrimento e da morte, de uma existência dada de volta a quem a havia perdido. Por isso, se o Natal suscita um pouco em todas as latitudes (mesmo junto aos não cristãos e aos não crentes) uma atmosfera de letícia e quase de alegria despreocupada, a Páscoa permanece sendo um mistério mais escondido e difícil. Mas, toda a nossa existência, para além de uma retórica fácil, se joga preferentemente sobre o terreno do obscuro e do difícil. Penso sobretudo, neste momento, nos doentes, naqueles que sofrem sob o peso de doenças graves, naqueles que não sabem para quem comunicar sua angústia, e também em todos aqueles para quem vale o antigo ditado, icástico e quase intraduzível, senectus ipsa morbus, “a velhice é, por sua natureza, uma doença”. Penso, finalmente, em todos aqueles que sentem na carne, na psique ou no espírito o estigma da fraqueza e da fragilidade humana: esses são provavelmente a maioria dos homens e das mulheres deste mundo.
Por isto, gostaria que a Páscoa fosse vivida sobretudo como um convite à esperança, também para os sofredores, para as pessoas idosas, para todos aqueles que estão curvados sob os pesos da vida, para todos os excluídos dos circuitos da cultura predominante, que é (enganosamente) a do “estar bem” como princípio absoluto. Gostaria que a saudação e o grito que os nossos irmãos do Oriente têm trocado entre si nestes dias, “Cristo ressuscitou, Cristo verdadeiramente ressuscitou”, percorresse os corredores dos hospitais, entrasse nos quartos dos doentes, nas celas das prisões; gostaria que suscitasse um sorriso de esperança também naqueles que se encontram nas salas de espera para complicadas análises solicitadas pela medicina de hoje, onde, frequentemente, se encontram rostos tensos, pessoas que tentam esconder o nervosismo que as agita.
A pergunto que me faço é: o que a Páscoa diz a mim, hoje, idoso, um pouco debilitado nas forças, já na lista de chamada para uma passagem inevitável? E o que poderia dizer também para quem não compartilha a minha fé e a minha esperança? Antes de mais, a Páscoa me diz que “os sofrimentos do momento presente não são comparáveis à glória futura que deverá ser revelada a nós” (Rom 8, 18). Estes sofrimentos são, em primeiro lugar, o de Cristo na sua Paixão, para os quais seria difícil encontrar uma causa ou uma razão se não se olhasse para além do muro da morte. Mas, existem também todos os sofrimentos pessoais ou coletivos que afetam a humanidade, causados ou pela cegueira da natureza ou pela maldade ou negligência dos homens.
É preciso repetir para si mesmo, com audácia, vencendo a resistência interior, que não há proporção entre aquilo que devemos sofrer e aquilo que esperamos com confiança. Por ocasião da Páscoa, gostaria de poder dizer a mim mesmo, com fé, as palavras de Paulo na Segunda Carta aos Coríntios: “É por isso que não desfalecemos. Ainda que exteriormente se desconjunte nosso homem exterior, nosso interior renova-se de dia para dia. A nossa presente tribulação, momentânea e ligeira, nos proporciona um peso eterno de glória incomensurável. Porque não miramos as coisas que se vêem, mas sim as que não se veem . Pois as coisas que se vêem são temporais e as que não se vêem são eternas” (4, 16-17).
Tudo isto pede uma grande tensão de esperança. Porque, como disse também São Paulo, “não esperança, somos salvos. Ora, aquilo que se espera, se é visto, não é mais esperança” (Rom 8, 24). Esperar assim pode ser difícil, mas não vejo outra saída para os males deste mundo, a não ser que se queira esconder o rosto na areia e ver ou pensar nada. Porém, é mais difícil para mim exprimir o que pode dizer a Páscoa para quem não participa da minha fé e está curvado sob os pesos da vida. Nisto, me ajudam pessoas que encontrei e nas quais senti como que uma fonte misteriosa, que as ajuda a olhar de frente para o sofrimento e para a morte, mesmo sem poderem encontrar uma razão para aquilo que poderá acontecer. Vejo, assim, que há dentro de todos nós algo daquilo que São Paulo chama “esperança contra toda esperança” (Rom 4, 18), ou seja, uma vontade e uma coragem de ir adiante apesar de tudo, mesmo quando não se compreende o sentido daquilo que acontece.
É assim que muitos homens deram prova de uma capacidade de retomada que tem algo de milagroso. Pensem em tudo o que se fez, com indômita energia, depois do tsunami de 26 de dezembro de 2004, ou depois da inundação de New Orleans provocada pelo furacão Katrina em agosto do ano seguinte. Pensem nas energias de reconstrução que surgem como que do nada depois da tempestade das guerras. Pensem nas palavras que a jovem Etty Hillesum, de vinte e oito anos, escreveu no dia 3 de julho de 1942, antes de ser levada para morrer em Auschwitz: “Eu olhava de frente a nossa destruição iminente, o nosso previsível fim miserável, que se manifestava em muitos momentos ordinários da nossa vida cotidiana. É esta possibilidade que eu incorporei na percepção da minha vida, sem experimentar, como consequência, uma diminuição da minha vitalidade. A possibilidade da morte é uma presença absoluta na minha vida, e por causa disso a minha vida adquiriu uma nova dimensão”.
Por estas coisas, não podemos confiar apenas na ciência, senão para lhe pedir alguns instrumentos técnicos: no máximo, ela permite um frágil prolongamento dos nossos dias. A interrogação, pelo contrário, é sobre o sentido do que está acontecendo e, mais ainda, sobre o amor que nos é dado recolher mesmo em impasses como esses. Há alguém que me ama de tal forma a ponto de me fazer sentir cheio de vida, mesmo em meio à fraqueza, que me diz “eu sou a vida, a vida para sempre”.
Ou, pelo menos, há alguém a quem posso dedicar os meus dias, mesmo quando me parece que tudo esteja perdido. É assim que a ressurreição entra na experiência cotidiana de todos os sofredores, particularmente dos doentes e dos idosos, dando a eles a possibilidade de produzir ainda frutos abundantes a despeito das forças que se lhe esvaem e da fraqueza que os assalta. A vida na Páscoa se mostra mais forte do que a morte, e é assim que todos nos esperamos percebê-la.
* Extraído do Avvenire.it, do dia 15 de abril de 2011. Traduzido por Paulo R. A. Pacheco.
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