quarta-feira, 22 de julho de 2009

Solidariedade e confiança para enfrentar a crise


A importância da subsidiariedade na Encíclica. Caritas in veritate, o mercado deveria levar em conta os interesses de todos, não apenas dos patrões

Por Alberto Quadrio Curzio

Caritas in veritate, a encíclica social de Bento XVI, é um documento complexo que exigirá muita reflexão para avaliar a sua inserção na continuidade da doutrina social católica à qual João Paulo II deu, sobretudo com a Centesimus annus (1991), um notável empurrão, assim como já havia feito Paulo VI com a Populorum progressio (1967). Dois verdadeiros e justos desenvolvimentos da doutrina social da Rerum Novarum (1891). O economista deve estar a par de que o fundamento e a perspectiva da Encíclica é teológico-antropológica e que uma reflexão apenas de tipo institucional-social-econômica sobre ela é muito parcial. Porém, não é inútil, na medida em que a doutrina social católica oferece uma orientação ideal, atemporal e a-espacial, a todos aqueles que, nas diversas responsabilidades, devem enfrentar e resolver problemas sócio-econômicos num momento histórico e geográfico específico. A doutrina social não propõe modelos econômicos e políticos, porém. A entonação da Caritas in veritate é que a crise e as dificuldades enfrentadas, presentemente, pelos Estados, pela sociedade e pela economia são devidas sobretudo à falta ou à carência de uma adequada inspiração solidária, orientada para o bem comum, o que significa “cuidar, de um lado, e servir-se, de outro, daquele complexo de instituições que estruturam jurídica, civil, política e culturalmente o viver social, que de tal maneira toma a forma de polis, de cidade”. Isto traz à tona o problema do significado do desenvolvimento e de como consegui-lo. Uma resposta unificada e unificante ao problema do desenvolvimento orientado para o bem comum e para a promoção da pessoa pode ser encontrado na Caritas in veritate, em consonância com a Centesimus annus, na combinação de subsidiariedade e solidariedade, dois princípios presentes na doutrina social católica. “O princípio de subsidiariedade”, afirma a última encíclica de Bento XVI, “está estreitamente ligado ao princípio da solidariedade e vice-versa, porque se a subsidiariedade sem a solidariedade decai no particularismo social, é também verdade que a solidariedade sem a subsidiariedade decai em assistencialismo que humilha o portador de necessidade”. Afirmação que é completada pela seguinte: “Manifestações particulares de caridade e critério para a colaboração fraterna de crentes e não crentes é, sem dúvida, o princípio de subsidiariedade, expressão da inalienável liberdade humana”. A Caritas in veritate enfatiza estes grandes ideais, que são também critérios operativos, colocando-os lado a lado com outros critérios como a complementariedade entre justiça comutativa, que preside os contratos, justiça distribuitiva e justiça social, que se fundam e geram equidade e confiança. Assim, a Encíclica afirma que “sem formas internas de solidariedae e de confiança recíproca, o mercado não pode cumprir plentamente sua função econômica. E hoje é esta confiança que começou a faltar, e a perda da confiança é uma perda grave”. Reelaborando e sintetizando, a Caritas in veritate, tomando por base a Centesimus annus, esclarece que tudo isso passa através das instituições (que fixam regras e as fazem respeitar), da sociedade (que age a partir de um princípio de coesão e de convicção), do mercado (que age segundo critérios econômicos de conveniência e não contra o em comum fixado pelas regras de concorrência e de correção). O equilíbrio entre essas forças deveria ser inspirado por uma convicta e não forçada solidariedade operante que combine liberdade e responsabilidade. Os princípios gerais, enunciados antes, encontram muitas aplicações na Caritas in veritate, que como entonação prefere a que recria e reforça os ideais, à de uma lógica econômica que, fora da história e dos ideais, se torna mecanicismo. Colocando-nos entre ideais e lógica, devemos avaliar as proposições da Encíclica sobre instituições, sobre sociedade, sobre mercado, sobre economia, sobre proveito, sobre terceiro setor, sobre globalização e sobre a crise. Definitivamente, todos grandes temas do século XXI e, não podemos deixar de dizer, também heranças do século XX. É impossível tratar de todos eles. Concentremo-nos então, neste momento, sobre o modo de compreender a empresa (assim como nos diz a Caritas in veritate). Afirma-se que a empresa não deve levar em consideração apenas os interesses dos proprietários, mesmo que legítimos e merecedores de cuidado, mas também de todos os outros sujeitos envolvidos na sua atividade: trabalhadores, clientes, fornecedores, comunidade e território de referência. Sabemos que esta convicção, muito diversa daquela nascida das doutrinárias libertárias (que, com o seu absoluto do “criar valor a qualquer custo para os acionistas”, sustentam que, para tal fim, basta o liberalismo), responde frequentemente às exigências dos melhores empreendedores, os quais, na sua atividade, desenvolvem uma criatividade pessoal e comunitária que encontra no proveito um complemento irrenunciável, mas não suficiente, para que a empresa prospere. A Caritas in veritate exprime, sempre em consonância com a Centesimus annus, o apreço pelas obras destes empreendedores, encorajando os outros a seguir o seu exemplo. E eis como no caso específico da empresa econômica os ideais se traduzem em fatos, vivendo na liberdade responsável empregada.

* Extraído do jornal ItaliaOggi, do dia 22 de julho de 2009 (p. 4). Traduzido por Paulo R. A. Pacheco.

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