terça-feira, 29 de setembro de 2009

Cartas do P.e Aldo 108





Asunción, 27 de setembro de 2009.

Caros amigos,
Como eu gostaria que nos deixássemos provocar por aquilo que Carrón nos diz quando fala da urgência de percorrer o caminho do conhecimento, sem deixar buracos pela estrada, para chegar diretamente diante do Mistério e poder dizer-Lhe Tu.
Nunca, como neste sábado, senti tão verdadeiras estas palavras: dizer Tu ao Mistério. Sem esta experiência, hoje, não poderia resistir à dolorosíssima agonia e morte da minha filha mais velha da Casinha de Belém. Rosinha – vocês se lembram dela, quando lhes enviei sua foto no dia da crisma? Agora, estou aqui, ao seu lado, enquanto, olhando para aquele Tu no qual ela já vive, escrevo-lhes para contar para vocês da sua beleza. As suas bochechas que beijei e acariciei tantas vezes estão, agora, mornas, enquanto o frio da morte avança inexoravelmente. As suas unhas cobertas de esmalte branco, longas e bem cuidadas, dão às suas mãos brancas e ternas um toque daquela feminilidade que nos remete ao Infinito. Assim também é o seu belíssimo rosto enquadrado por esta farta moldura de cabelos pretos. Penso outra vez no filme que vi em La Thuile e, depois, em São Paulo. Penso outra vez, e revejo, Giussani lendo aquela belíssima poesia de Leopardi – “Sobre o retrato de uma bela mulher”. É exatamente a descrição de minha Rosinha. Tem apenas 18 anos. Como numa rapidíssima sequência, vejo passar diante de mim aquela hora na qual Giussani nos falava da “Cara Beleza”. Chorei tanto... desde as primeiras horas da manhã quando, com o Santíssimo Sacramento entre as mãos, cheguei ao seu leito. Que dor terrível (somente quem é pai pode me entender... e vive da paternidade que apenas a virgindade pode dar) ao vê-la com os olhos semi-cerrados, ligeiramente levantados para trás, e lutando contra a morte. A sua respiração difícil, uma cada vez mais distante da outra no tempo, como que me descreviam a última grande batalha entre a alma que quer voltar para aquele “Tu que me fazes” e o corpo que não cede, não quer deixá-la partir. Uma luta que vejo todos os dias nos meus filhos que partem (quase 700 em cinco anos) e que, para mim, a cada vez, é um martírio que me toca mesmo fisicamente. O seu rosto todo coberto de suor... também suas mãos. É duro morrer... é a coisa mais dura da vida. Fiquei ao seu lado todo o tempo que me era possível. Não podia viver sem ela, sem acariciá-la e beijá-la, nesse momento dramático... no qual Rosinha, toda consignada ao Mistério, estava quase alcançando-O. Quando, às 12h30, voltei com o Santíssimo Sacramento, ajoelhei-me e coloquei o ostensório ao seu lado. Éramos nós três... ou melhor, era “eu sou Tu que me fazes”. Era aquele Tu que nos tomava a todos. Que experiência de pertença, de paternidade, de filiação eu experimentei! Pensava outra vez nas palavras de Gius, ditas por Carrón que havia encontrado Rosinha alguns dias atrás: “o homem não depende dos seus antecedentes... nem mesmo do câncer e das dores mais terríveis... o homem é relação direta com o Infinito!”.
Algumas horas antes desta cena Eucarística, me fora dado uma outra prova desta verdade, quando a polícia me trouxera um mendigo desequilibrado encontrado na rua. Era irreconhecível como homem: barba comprida, descuidada, sujo de seus próprios excrementos. Acolhido como Jesus, o amigo Carlos o colocou sob a ducha, cortou sua barba e seus cabelos. Surpresa: quando o vi no leito, não o reconhecia mais. Agora, é um outro – sempre aquele de antes, mas é um outro. Perguntei-lhe a idade: 57 anos. Não podia acreditar. Parecia que tivesse 80 quando chegou. O que fez a diferença? Antes, não tinha conhecimento de ser “Tu que me fazes”, agora sim e isto muda, reconstrói o eu, renasce o homem. Como? Através de um abraço... é, agora, aquele abraço de Giussani que chega, cada dia, até àqueles que, pelo mundo, são apenas “mendigos sujos”. Vem-me à mente o epitáfio que está na tumba de Santa Rita de Cássia: “a amizade é uma virtude, mas ser abraçados é a felicidade”. Agora, também este homem, que viveu uma vida na rua, é feliz.
Feliz como a minha Rosinha que nunca perdeu o seu sorriso, nem mesmo quando amputaram a sua perna esquerda, ou quando toda tomada pela metástase perdeu a audição e o seu joelho se tornou uma imensa bola. Neste momento, vieram saudá-la, dando-lhe um beijinho, os seus irmãozinhos da Casinha de Belém. Um encontro incrível... e que fadiga dizer a eles uma palavra, enquanto me olhavam com os olhos arregalados que me perguntavam “por quê?”. “Rosinha está no paraíso... olhem o seu sorriso”. Foi o que consegui dizer a eles. Mas, bastaram essas palavras para que se dessem conta de que aquele Tu fez de nós uma coisa só para sempre, e de que Rosinha está viva. Sim, aquele Tu que os arrancou da violência de todo tipo, faz de cada um deles feliz também.
Nesse momento, morreu outra mãe.
Rezem por mim e por meus filhos... e não se esqueçam nunca do percurso de conhecimento necessário – sim ou sim – para sermos abraçados e conseguirmos abraçar a todos.
Penso outra vez em e rezo por Catarina, para que sare – a filha de Antonio Socci –, pelo filho de Achille e de tantos outros que estão no paraíso com a minha Rosinha. “Eu sou Tu que me fazes”. Somente assim, neste momento, o meu coração repousa seguro, enquanto a dor se faz adoração.
P.e Aldo.

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