Asunción, 30 de setembro de 2009.
Caros amigos,
“Você quer que eu conte algo mais da minha vida?”. Carrón (esteve aqui, conosco, em fevereiro deste ano,visitando a comunidade) a olhou... e saímos do quarto comovidos. Ela já havia dito tudo: “Padre, a minha vida foi um calvário. Minha mãe foi assassinada, e eu fui abandonada por todos. Sempre procurei fugir demim mesma, procurando fora de mim aquilo que, depois, encontrei dentro de mim, graças à AIDS, doença que me conduziu até aqui, onde encontrei Jesus e, com Jesus, a alegria de viver. Estando aqui, na Clínica, reencontrei-me. Encontrar comigo mesma sempre foi muito difícil, porque a falta de amor por mim mesma era o motivo pelo qual eu vivia uma vida desordenada, que chegou até o limite da AIDS. Agora, tenho tudo: tenho comida (quanta fome eu sofri!), tem um belo quarto e, sobretudo, muitos amigos. Aqui, as pessoas me querem bem”.
A sua história seria longa de se contar e espero que, em breve, consiga mandá-la para Tempi, porque a sua história é, de fato, um exemplo do que quer dizer o “percurso do conhecimento, o percurso da fé”.
Fabiana chegou, em alguns meses, a dizer “Tu” ao Mistério. E, nesse abraço, aos 19 anos de idade, morreu nesta manhã, às 00h30, festa dos três Arcanjos. Ontem à noite, estava muito mal. E, no entanto, entre as dores, recitou comigo uma Ave-Maria. Eu lhe disse: “Fabiana, você é como a semente de um feijão (ela me corrigiu, preferindo a semente de milho) que está morrendo. Porém, enquanto você morre debaixo da terra, num cantinho da semente brota uma folhinha... e ela, devagarzinho, rompe a terra, sai, cresce e se torna uma bela planta com frutos. Normalmente, o milho, aqui no Paraguai, dá dois brotinhos muito bonitos. Uma é a sua filhinha de dois anos e a outra somos nós, porque, nestes meses, você nos educou a dizer com mais consciência ‘eu sou Tu que me fazes’”. Assim, depois de abraçá-la, fui dormir. À meia noite e meia o celular tocou: “Padre, vem rápido... Fabiana está morrendo”. “Jesus, Tu acabaste de me tirar Rosinha, de 18 anos, e agora me tiras também Fabiana. Tu me pedes tudo todos os dias, não deixa que os espaços fiquem fazios, faz-me percorrer, todos os dias, o caminho da fé... pois bem: eis-me aqui. Eu sou Tu que me fazes... faz de mim o que quiseres”.
Cheguei à clínica e encontrei as enfermeiras em lágrimas (aqui, as minhas enfermeiras sofrem, choram, porque não são funcionárias, mas filhas daquele “Tu” que é o único autor e diretor desta clínica). Fabiana tinha acabado de morrer. O meu coração se despedaçou mais uma vez. Aqui, a ferida que carrego há 20 anos não se cura nunca. Deus não permite... e sou grato a Ele, porque assim eu vivo de joelhos, que é a única posição que me permite ficar de pé 24h por dia.
Nesse momento, eu a estou olhando. É belíssima. A morte, aqui, dá de volta aquela beleza original que a dor tira do doente. São 2 da manhã e estou com as três enfermeiras na cela mortuária. Choram comigo. Irene lembra as suas últimas palavras: “me dói o coração... mas logo repousarei para sempre”; “desculpe-me Irene. Essa é a última vez que eu a incomodo, mas aumenta mais um pouco o volume de oxigênio”.
Pouco depois, chegaram o médico diretor da clínica e um outro médico que não é católico. Quando me viram chorando, me disseram: “recitamos juntos, para você, um Pai-Nosso”. Que prazer, que atenção. Naquele momento de escuridão, com a noite lá fora, dois amigos me reconduzem ao “Tu”.
Dei-lhe um beijo e... agora, vou dormir??? Não. Esta noite, foi difícil conseguir dormir. Passei a manhã inteira com Fabiana. Toda a clínica está cheia de comoção. Chegaram os meus filhinhos da Casinha de Belém. Também para eles é uma grande dor. Não pararam ainda de chorar a morte de Rosinha e já vem a dor pela morte de Fabiana, que deixou para mim e para Cristina (a mãe adotiva das crianças) uma nova filha – Camila – e às crianças deixou uma nova irmãzinha.
Camila também tem AIDS. Fabiana, uma semana atrás, havia demonstrado desejo de que a levássemos ao seu vilarejo, a 400 km daqui, de onde foi expulsa por causa da “lepra” moderna, que a ignorância vê como uma maldição neste meu país. Ela queria saber se a sua filha tinha mesma doença que ela, porque, se fosse positiva a resposta, queria que a sua Camila ficasse conosco para sempre. O encontro foi muito doloroso: a menina não reconhecia a mãe e, além do mais, a certeza da doença a deixou destruída. Quando voltamos para a clínica com a sua filhinha, em poucos dias ela foi piorando e, nesta noite, morreu. Agora, fiquei com Camila (olhem como é bela) que, no domingo passado, junto com outros quatro filhos meus, foi batizada, na Fazenda “Padre Pio”. Camila nasceu para uma vida nova, Fabiana nasceu para a plenitude da vida.
Amigos, “desejo que vocês nunca fiquem tranquilos”. Vocês se lembram desta provocação de Giussani? De fato, eu tenho uma graça única, porque o que seria a minha vida sem esta dramaticidade que torna a vida sempre mais consciente do “Tu que me fazes” em cada instante?
Padre Aldo
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