sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Cartas do P.e Aldo 109





Asunción, 30 de setembro de 2009.

Caros amigos,
“Você quer que eu conte algo mais da minha vida?”. Carrón (esteve aqui, conosco, em fevereiro deste ano,visitando a comunidade) a olhou... e saímos do quarto comovidos. Ela já havia dito tudo: “Padre, a minha vida foi um calvário. Minha mãe foi assassinada, e eu fui abandonada por todos. Sempre procurei fugir demim mesma, procurando fora de mim aquilo que, depois, encontrei dentro de mim, graças à AIDS, doença que me conduziu até aqui, onde encontrei Jesus e, com Jesus, a alegria de viver. Estando aqui, na Clínica, reencontrei-me. Encontrar comigo mesma sempre foi muito difícil, porque a falta de amor por mim mesma era o motivo pelo qual eu vivia uma vida desordenada, que chegou até o limite da AIDS. Agora, tenho tudo: tenho comida (quanta fome eu sofri!), tem um belo quarto e, sobretudo, muitos amigos. Aqui, as pessoas me querem bem”.
A sua história seria longa de se contar e espero que, em breve, consiga mandá-la para Tempi, porque a sua história é, de fato, um exemplo do que quer dizer o “percurso do conhecimento, o percurso da fé”.
Fabiana chegou, em alguns meses, a dizer “Tu” ao Mistério. E, nesse abraço, aos 19 anos de idade, morreu nesta manhã, às 00h30, festa dos três Arcanjos. Ontem à noite, estava muito mal. E, no entanto, entre as dores, recitou comigo uma Ave-Maria. Eu lhe disse: “Fabiana, você é como a semente de um feijão (ela me corrigiu, preferindo a semente de milho) que está morrendo. Porém, enquanto você morre debaixo da terra, num cantinho da semente brota uma folhinha... e ela, devagarzinho, rompe a terra, sai, cresce e se torna uma bela planta com frutos. Normalmente, o milho, aqui no Paraguai, dá dois brotinhos muito bonitos. Uma é a sua filhinha de dois anos e a outra somos nós, porque, nestes meses, você nos educou a dizer com mais consciência ‘eu sou Tu que me fazes’”. Assim, depois de abraçá-la, fui dormir. À meia noite e meia o celular tocou: “Padre, vem rápido... Fabiana está morrendo”. “Jesus, Tu acabaste de me tirar Rosinha, de 18 anos, e agora me tiras também Fabiana. Tu me pedes tudo todos os dias, não deixa que os espaços fiquem fazios, faz-me percorrer, todos os dias, o caminho da fé... pois bem: eis-me aqui. Eu sou Tu que me fazes... faz de mim o que quiseres”.
Cheguei à clínica e encontrei as enfermeiras em lágrimas (aqui, as minhas enfermeiras sofrem, choram, porque não são funcionárias, mas filhas daquele “Tu” que é o único autor e diretor desta clínica). Fabiana tinha acabado de morrer. O meu coração se despedaçou mais uma vez. Aqui, a ferida que carrego há 20 anos não se cura nunca. Deus não permite... e sou grato a Ele, porque assim eu vivo de joelhos, que é a única posição que me permite ficar de pé 24h por dia.
Nesse momento, eu a estou olhando. É belíssima. A morte, aqui, dá de volta aquela beleza original que a dor tira do doente. São 2 da manhã e estou com as três enfermeiras na cela mortuária. Choram comigo. Irene lembra as suas últimas palavras: “me dói o coração... mas logo repousarei para sempre”; “desculpe-me Irene. Essa é a última vez que eu a incomodo, mas aumenta mais um pouco o volume de oxigênio”.
Pouco depois, chegaram o médico diretor da clínica e um outro médico que não é católico. Quando me viram chorando, me disseram: “recitamos juntos, para você, um Pai-Nosso”. Que prazer, que atenção. Naquele momento de escuridão, com a noite lá fora, dois amigos me reconduzem ao “Tu”.
Dei-lhe um beijo e... agora, vou dormir??? Não. Esta noite, foi difícil conseguir dormir. Passei a manhã inteira com Fabiana. Toda a clínica está cheia de comoção. Chegaram os meus filhinhos da Casinha de Belém. Também para eles é uma grande dor. Não pararam ainda de chorar a morte de Rosinha e já vem a dor pela morte de Fabiana, que deixou para mim e para Cristina (a mãe adotiva das crianças) uma nova filha – Camila – e às crianças deixou uma nova irmãzinha.
Camila também tem AIDS. Fabiana, uma semana atrás, havia demonstrado desejo de que a levássemos ao seu vilarejo, a 400 km daqui, de onde foi expulsa por causa da “lepra” moderna, que a ignorância vê como uma maldição neste meu país. Ela queria saber se a sua filha tinha mesma doença que ela, porque, se fosse positiva a resposta, queria que a sua Camila ficasse conosco para sempre. O encontro foi muito doloroso: a menina não reconhecia a mãe e, além do mais, a certeza da doença a deixou destruída. Quando voltamos para a clínica com a sua filhinha, em poucos dias ela foi piorando e, nesta noite, morreu. Agora, fiquei com Camila (olhem como é bela) que, no domingo passado, junto com outros quatro filhos meus, foi batizada, na Fazenda “Padre Pio”. Camila nasceu para uma vida nova, Fabiana nasceu para a plenitude da vida.
Amigos, “desejo que vocês nunca fiquem tranquilos”. Vocês se lembram desta provocação de Giussani? De fato, eu tenho uma graça única, porque o que seria a minha vida sem esta dramaticidade que torna a vida sempre mais consciente do “Tu que me fazes” em cada instante?
Padre Aldo

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