Por Carlo Caffarra
A trigésima segunda peregrinação a pé de Macerata a Loreto
Publicamos a homilia que o cardeal arcebispo de Bolonha pronunciou no sábado à noite, no Estádio "Helvia Recina", em Macerata, durante a concelebração eucarística que precedeu a partida da trigésima segunda peregrinação a pé Macerata-Loreto
O que pode colocar em movimento todo o eu da pecadora a ponto de impulsioná-la uma efusão quase sem controle? O que pode impedir à presença de Cristo romper o núcleo duro da mentalidade do fariseu que convida Jesus para o jantar? A narração evangélica, na realidade, é toda regida por esta diferença: o eu da pecadora movido, comovido - diria até viceralmente - pela Presença; o eu do fariseu fechado dentro de uma mentalidade que não se deixa transpassar pela Presença.
A resposta é Jesus mesmo que nos dá, inventando uma breve parábola: "Um credor tinha dois devedores (...)". É o perdão como ato divino que coloca em movimento, que comove todo o eu, porque é o ato que regenera o eu desde a raiz. E a epifania, a transparência de um eu regenerado é o amor, a capacidade de amar recuperada: "seus numerosos pecados lhe foram perdoados, porque ela tem demonstrado muito amor. Mas ao que pouco se perdoa, pouco ama" (cf. Lc 7, 36-50).
Por que o ato divino do perdão muda o eu desde a raiz? Porque muda, em primeiro lugar, a identificação do próprio eu com o os próprio atos: "Bem saberia quem e qual é a mulher que o toca, pois é pecadora". O fariseu não compreende que exatamente pelo fato de Cristo ser "um profeta", olha aquela mulher não definindo-a com o que faz ou fez, mas como pessoa que tem, no fim, uma só necessidade: amar e ser amada. É este olhar de Jesus que regenera o eu porque o coloca na sua verdade.
Foi o olhar de Jesus que arrancou Pedro da sua traição: "Voltando-se o Senhor, olhou para Pedro (...) e [Pedro] saiu dali e chorou amargamente" (Lc 22, 61-62). A pecadora "estando a seus pés, por detrás dele, começou a chorar. Pouco depois suas lágrimas banhavam os pés do Senhor".
Por que o ato divino muda o eu desde a raiz? Porque vendo-se amado, se torna capaz de corresponder ao amor, se torna capaz de amar. Santo Agostinho escreve: "Não existe convite mais eficaz a amar do que ser primeiros no amor; e muito duro é o coração que, não tendo querido gastar-se no amar, não queira nem mesmo corresponder ao amor" (Primeira catequese cristã 4, 7, 2). Na experiência de Zaqueu tudo isto é ainda mais evidente.
Como notastes, escutando a página do Evangelho, acontece na pecadora perdoada um fato verdadeiramente extraordinário. Podemos narrá-lo com as palavras de Paulo: "Eu vivo, mas já não sou eu; é Cristo que vive em mim. A minha vida presente, na carne, eu a vivo na fé no Filho de Deus, que me amou e se entregou por mim" (Gl 2, 20). Acontece um des-centramento do próprio eu para o Tu de Cristo. A própria vida, o próprio sentir e pensar, as próprias escolhas, tudo o que constrói a própria pessoa não é mais identificado com o eu mas em relação a Cristo. "Na experiência de um grande amor tudo se refere à experiência eu-tu, tudo o que acontece se torna um acontecimento dentro deste âmbito" (Romano Guardini). O cume da existência é o relacionamento com Cristo vivo na sua Igreja.
Caros irmãos e irmãs, a grande peregrinação que começará daqui a pouco é uma grande metáfora do evento que aconteceu à mulher de que fala o Evangelho, e que pode acontecer em cada um de nós mediante a celebração eucarística. É ainda São Paulo que nos ajuda a entender a ligação profunda entre a Palavra escutada, o Mistério celebrado, a peregrinação a Loreto.
Escrevendo aos cristãos de Filipo, ele, depois de ter narrado o seu encontro com Cristo como evento que muda radicalmente o seu eu, disse: "Não pretendo dizer que já alcancei esta meta e que cheguei à perfeição. Não. Mas eu me empenho em conquistá-la, uma vez que também eu fui conquistado por Jesus Cristo. (...) prescindindo do passado e atirando-me ao que resta para a frente, persigo o alvo" (Fil 3, 12-14).
Caros amigos, o encontro com Cristo "coloca o eu em movimento" em direção de algo de outro, além de Cristo mesmo. "Buscamos com o desejo encontrar, e descobrimos com o desejo que ainda buscamos", disse Santo Agostinho.
Mas, chegará o momento, ainda esta noite, em que se sentirão cansados, sentirão dores nos pés. Assim, antes ou depois, acontece com o seguimento de Jesus. E, então, serão tentados a parar.
Não consigo: os pés estão doendo e, portanto, não consigo mais caminhar para Ele. E pensa que não consegue mais carregar a cruz de uma doença ou de um sofrimento grave; que não suporta mais os seus pais; que está perdendo os seus dias comprometendo-se com o trabalho ou com o estudo; que não consegue não ter relações sexuais com a sua namorada ou o seu namorado antes do casamento.
Escute o que escreve uma pessoa que, por anos, sentiu essas mesmas dificuldades, mesmo quando já tinha entendido que apenas seguindo Jesus teria encontrado a verdadeira alegria. Trata-se de Santo Agostinho, que disse: "Talvez tentes caminhar, e te doam os pés e te doam (...) porque percorreste duros caminhos. Mas o Verbo de Deus veio para curar os estropiados. Eis, dizes, tenho os pés sãos, mas não consigo ver o caminho. Pois bem, Ele também iluminou os cegos" (Comentário ao Evangelho de São João 34, 9 ).
Caros irmãos e irmãs, Cristo é tudo. É o caminho; é a meta; é a força que nos faz caminhar.
* Extraído d'O Observatório Romano, do dia 13 de junho de 2010 (p. 6). Traduzido por Paulo R. A. Pacheco.
Nenhum comentário:
Postar um comentário