terça-feira, 6 de julho de 2010

"Assim, deciframos a luz primordial"



Por Marco Bersanelli*

Depois de 18 anos de trabalho e de ansiedade, eis finalmente os primeiros frutos. O satélite Planck da Agência Espacial Europeia completou o primeiro ano de observações a partir de sua órbita a um milhão e meio de quilômetros da Terra, e nos presenteou com uma primeira imagem espetacular do Universo profundo. Algo que nunca havia sido visto.
A imagem representa toda a esfera celeste observada em nove comprimentos de onda que vão de  0,3 mm a 1 cm. Nove cores diferentes, podemos dizer, mas invisíveis aos nossos olhos: estamos no reino das microondas, onde a luminosidade do céu noturno não é dominada pela luz da Lua e das estrelas, mas por uma fraca luz difusa, que provém uniformemente do fundo do céu - aquele fundo que, para os nossos olhos, parece preto. É a luz deixada no Universo há 14 bilhões de anos atrás, nas fases iniciais da expansão cósmica, quando era mil vezes menor e quente do que hoje, e um bilhão de vezes mais denso.
Aquela luz primordial, dita "fundo cósmico de microondas", viajou quase sem ser perturbada desde o início do tempo (para uma precisão, podemos dizer que 99,998% da idade do Universo) e, portanto, nos traz uma imagem do Universo recém-nascido. Nas dobras das suas propriedades estão escondidos tesouros de informação cosmológica e, nas últimas décadas, foi objeto de uma escalada ininterrupta de observações feitas da Terra, a partir de balões estratosféricos e mesmo a partir do espaço. Planck é o experimento seguramente mais potente já concebido no setor. As suas imagens de alta definição prometem lançar nova luz sobre mistérios até agora insolúveis, como o da matéria escura, da energia escura, da geometria do espaço, da formação das galáxias e das estruturas cósmicas. E se tivermos sorte, as características de polarização dos mapas de Planck poderão  revelar a marca de processos acontecidos no primeiro sopro da história cósmica (um centésimo de milésimo de bilionésimo de bilionésimo de bilionésimo de segundo), quando a expansão pode ter sofrido uma dilatação exponencial, a "inflação".
Mas, observemos atentamente a imagem. O fundo da figura, de cor vermelho-alaranjada, representa o fundo cósmico: a primeira luz do Universo. São visíveis leves ondulações, que representam os embriões das galáxias e das outras estruturas em formação. Nunca a luz primordial tinha sido mapeada com tanta precisão: é como ver ao vivo o nosso passado cósmico. A imagem, além do mais, mostra uma vasta nebulosidade branco-violeta que, em parte, ofusca a luz primordial: trata-se de emissões provenientes do Universo "local", principalmente devidas ao gás e à poeira interestelar na nossa galáxia. Ainda que, do ponto de vista cosmológico, estas emissões constituam um incômodo, contêm dados astrofísicos tão preciosos que, sozinhas, justificariam uma missão. A sua presença não é, certamente, uma supresa e Planck foi projetado para separá-las do fundo cósmico com extrema precisão, desfrutando das informações condificadas nos nove diferentes comprimentos de onda revelados por seus instrumentos.
Esta imagem é apenas uma primeira etapa. Mas, é um daqueles pontos nos quais, depois de uma longa marcha de aproximação, se entrevê uma antecipação do panorama que nos espera no cume. E, certamente, não é uma escalada solitária. Atrás desta imagem há uma vida, ou melhor muitas vidas, um mundo feito de trabalho, sacrifícios, tensões, riscos, paixões, amizade. Na equipe internacional o contingente italiano tem um papel de liderança, particularmente com a PI-ship do Low Frequency Instrument (um dos dois instrumentos de Planck), com o auxílio da ASI [Agenzia Spaziale Italiana - Agência Espacial Italiana; ndt] e, sobretudo, graças a uma nova geração de pesquisadores e jovens professores de várias universidades e institutos de pesquisa entre os quais IASF-INAF [Istituto di Astrofisica Spaziale e Fisica Cosmica/Italian National Institute for Astrophysics - Instituto de Astrofísica Espacial e Física Cósmica/Instituto Nacional Italiano para Astrofísicos; ndt] de Bolonha, Università di Milano [Universidade de Milão; ndt], SISSA [Scuola Internazionale Superiore di Studi Avanzati - Escola Internacional Superior de Estudos Avançados; ndt] e Observatório de Trieste, Università La Sapienza [Universidade La Sapienza; ndt] e Roma 2, Observatório e Università di Padova [Universidade de Pádua; ndt]: cientistas de altíssimo nível e que, esperamos, encontrem perspectivas de trabalho também em nosso País.
A análise dos dados prossegue. Os instrumentos de Planck estão funcionando magnificamente bem e continuarão a sondar o céu até o início de 2012. O belo está ainda por vir.

* Marco Bersanelli é professor na Università degli Studi di Milano e Instrument Scientist do Plank-LFI. Texto extraído do jornal La Stampa, do dia 06 de julho de 2010 (pp. 1-2). Traduzido por Paulo R. A. Pacheco.

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