sexta-feira, 2 de julho de 2010

Se a realidade não é sinal, o eu e Deus são “apenas” cultura



Por Giovanni Maddalena

A filosofia, sabe-se, é a mais estranha das disciplinas. Para muitos, é apenas a matéria “pela qual e sem a qual tudo permanece tal e qual”. No entanto ou por sorte, pelo contrário, a filosofia é a forma com a qual concebemos a realidade e, diga-se de passagem, não é possível não ter uma concepção da realidade; mesmo a negação da filosofia é uma filosofia. Não importa o que é causa ou consequência, mas, de todo modo, é a filosofia que fala dos modos de pensar a vida, dos significados das palavras, da sociedade. Em suma, fala da chamada mentalidade.
Perguntemo-nos, então: em que ponto estamos? Qual é a mentalidade que a filosofia moderna está contribuindo para criar, ou sobre qual está empenhada em refletir? A mentalidade filosófica de hoje é dominada por aquilo que se chama “naturalismo”. No que consiste? De Caro (2006)[1] identifica três leis de apoio: a exclusão de objetos não naturais, o antifundacionismo e a continuidade entre ciência e filosofia.
Existem dois modos de compreender estas leis. O primeiro é um cientismo duro (Dennett[2], para dar um nome). Nesta versão, existe apenas aquilo que a ciência “positiva” – em particular a física – reconhece ou chegará a reconhecer, não existe nenhuma fundação do nosso saber para além do conhecimento “científico”, e a filosofia mesma é parte da ciência e, como tal, será, paulatinamente, dissolvida nela.
Há ainda outra versão, mais soft ou pluralista, que, mesmo mantendo as mesmas leis, as interpreta no sentido que, nos objetos naturais, devem ser incluídos também os produtos culturais (McDowell[3]), que a ciência não pode ter, por sua vez, pretensões fundadoras e que o saber filosófico-humanista pode conviver com o saber científico: “um modesto realismo não metafísico, adequadamente conforme aos resultados das ciências” (Putnam[4]).
As duas versões, porém, compartilham um pressuposto: ser naturalistas significa sustentar que “o mundo é fechado do ponto de vista da causalidade” (Määttänen[5]). Isto significa que mesmo na segunda versão pode-se aceitar que exista uma “cultura” com todos os seus significados belos e profundos, pode-se pensar que existam raciocínios não científicos e, no entanto, válidos e até mesmo que se deve ser “realistas”. Em muitas versões existe também uma ontologia, ou seja, um perguntar-se sobre qual é a natureza dos objetos. No fundo, chega-se muito perto de um razoável senso comum já distante dos excessos do niilismo do final do século XVIII.
E no entanto, tem uma afinidade sutil com aquele niilismo – sobretudo na sua versão “gaia”, tal como a definiu Del Noce[6] –, visto que, também para o naturalismo, o âmbito da realidade, ainda que amplo e não mais em dúvida quanto a sua existência, é fechado, ou seja, nunca funciona como “sinal”. Assim, emerge aquela que foi a raiz comum da hermenêutica e da analítica: negar que a realidade funcione como sinal e que, portanto, possa referir-se  a outra realidade completamente para além de si (meta-física) e que possa provocar interpretações cuja validade depende do ter mais ou menos compreendido aquela realidade metafísica.
Se se exclui o valor do sinal, os seus terminais, o eu e Deus – para simplificar como Newman – não têm mais sentido, a não ser como valores culturais. Chega-se, assim, à extrema admissão de um naturalista cientista como McGinn (2002): “A essência de um problema filosófico é o salto inexplicável, a passagem de uma coisa a outra sem nenhuma ideia de qual é a ponte que permite esta passagem”[7]. A filosofia – palavras suas – é, por isso mesmo, “fútil”. Destino paradoxal: estuda-se tanto para voltar ao “tudo permanece tal e qual”. O modo normal (“natural” e não “naturalista”) de pensar tende, pelo contrário, a sustentar que se pensa exatamente para conhecer e mudar a realidade, que o objeto do pensamento possa ser toda a realidade, física ou meta-física, e que tudo possa ser lido como “sinal”. A curiosa aliança entre o intelectualismo cientificista e o irracionalismo do nosso provérbio faz nascer a suspeita de que pensar o “sinal” seja antipático a todos aqueles que têm um preconceito a defender e que já decidiram não querer ser perturbados por perguntas demais.

* Extraído do IlSussidiario.net, do dia 02 de julho de 2010. Traduzido por Paulo R. A. Pacheco.


[1] DE CARO, Mario. Oltre lo scientismo. In: CALCATERRA, Rosa Maria (a cura di). Pragmatismo e Filosofia analitica: differenze e interazioni. Macerata: Quodlibet, 2006
[2] Daniel Dennett é um filósofo americano, cujos trabalhos giram, sobretudo, em torno da cognição e da biologia.
[3] John McDowell é um filósofo inglês que também tem se dedicado aos problemas da cognição e da linguagem.
[4] Hilary Putnam é um filósofo americano que, como os demais citados até agora, tem se dedicado a temas da filosofia da mente, da filosofia da linguagem e da epistemologia.
[5] Pentti Määttänen é um filósofo finlandês que também tem se dedicado à filosofia da mente.
[6] Augusto Del Noce (1910-1989) foi um cientista político, filósofo e político italiano.
[7] McGINN, Colin. The misterious flame: conscious minds in a material world. New York: BasicBook, 2002.

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