Asunción, 16 de agosto de 2010.
Um verdadeiro Karai
Em um mundo de canalhas que se prostituem pelo poder, pelo dinheiro e pela luxúria, é difícil encontrar um “Karai”, particularmente no mundo da política onde o poder faz com que os homens percam a cabeça, fazendo-se de escravos, vítimas de suas ambições.
O canalha é o homem que perdeu a consciência da dignidade de homem, conformando a sua identidade ao papel que o define. É a marionete do poder, aquele que, por dinheiro, ou por aquilo que vem do dinheiro, está disposto a vender mesmo a própria mãe, além da sua própria dignidade. Ao contrário, o “Karai” é o pecador, é o homem que olha para o destino último da vida. É a pssoa que não tem medo de se sujar as mãos, mesmo na política, mas não está disposto a vender a sua dignidade humana. É o homem pecador “spe erectus”, quer dizer dominado pela esperança, pela certeza de que a sua salvação e a da sociedade não depende dele, mas vem de fora, de um OUTRO.
O “Karai” é o mendicante do Infinito, é o homem “viator”, é aquele que tem claro que a própria consistência coincide com o relacionamento com o Mistério: “Eu sou TU que me fazes”. Por isso, vive pedindo, suplicando, reconhecendo que, sem Cristo, a vida é “uma folha de árvore no outono”, diria o poeta. Repito, o “Karai” é o pecador, enquanto que o canalha é o ser humano prostituído pela demência do poder, orgulhoso, cheio de si mesmo.
Um exemplo claro de “Karai”, nesses últimos anos, foi, para mim, o do Vice-Presidente da República do Paraguai, o Doutor Federico Franco. Alguns dias atrás, foi à Colômbia para presenciar a cerimônia de tomada de posse da Presidência daquele país pelo Doutor Juan Manuel Santos, democratiamente eleito pelo povo. Segunda-feira, dia 9 de agosto, eu e Padre Paolino estávamos no Brasil e voltamos para casa na terça-feira à uma da manhã. Há quase dois anos, toda segunda-feira, às 5h30 da manhã, nos encontramos com o Vice-Presidente da República para rezar as Laudes. Um gesto surpreendente e mais único que raro no mundo da política mundial atual.
Grande foi a minha surpresa quando, na terça-feira, às 6h30 da manhã, o Vice-Presidente nos liga para nos dizer que “em alguns minutos estarei aí para rezar”. Mas, como – nos perguntamos – se ele acabou de chegar da Colômbia, às 3h da manhã e já tem o desejo de começar o dia, rápido, rezando? Não podia acreditar naquilo, porque nem mesmo os Bispos ou os Padres fazem algo parecido: chegar de uma viagem longuíssima, às 3h da manhã, e três horas depois sair de casa para recitar as “Laudes”. Não obstante tudo, o Doutor Franco estava aqui às 6h30, mesmo com os olhos visivelmente cansados.
“Rezemos pelo Presidente da República – ele nos disse – para que se cure rápido, por isso eu vim para cá mesmo sem dormir”. Um homem, somente um homem, isto é, um pecador, um mendicante do Infinito, do Absoluto pode viver assim. A Deus não interesse a coerência do homem, que é pura graça Sua e que é dada quando, como e a quem quer, mas que o homem viva consciente da sua condição de pecador, que viva suplicando, pedindo. O homem é um “Karai” apenas quando tem essa posição.
Por isso, não me surpreendi quando, com muita discrição, ao saudar o Senhor Presidente que partia para o Brasil para tratar de sua doença, lhe deu um Santo Rosário. Algo que somente os Pontífices fazem quando recebem um Chefe de Estado com a Esposa. Um homem pode perder politicamente, mas é um homem e no tempo se impõe, porque mesmo as pedras se dão conta que, para existir, precisam desse tipo de pessoas. Ao contrário, os vergonhosos podem ganhar o mundo inteiro, mas não obstante isso, a sua vida é como a erva que de manhã é verde e à noite está seca e é queimada.
“Feliz o homem que confia no Senhor”, será como uma árvore de manga plantada na beira de um rio: carregado de frutas. Enquanto que o homem que vive cheio de si mesmo, que confia nas suas capacidades, vive na maldição, como afirma o profeta Jeremias. E os seus sucessos momentâneos se transformarão em escombros. A história é cheia desses escombros. Quero sublinhar este aspecto da vida de um amigo, não de um político. De um amigo, de um homem empenhado com a política, de um homem que não tem medo de sujar as mãos na política, porque o mundo tem necessidade desses homens, de homens que partem de Cristo, que vivem mendicando Cristo para poder viver com dignidade no ambiente onde não existe a amizade, porque o poder não tem amigos mas cúmplices e puxa-sacos, “cuña’i” anões na vida cotidiana.
Que o Paraguai tenha um Vice-Presidente para quem Cristo é tudo e é apaixonado pela Virgem Maria, é o melhor e, diria, única garantia para recuperar a dignidade histórica e cultural. A grandeza do homem está na súplica, no viver de joelhos e no começar cada semana de joelhos diante do Santíssimo Sacramento às 5h30 da manhã dizendo: “Vinde, ó Deus, em meu auxílio! Socorrei-me sem demora”. Um grito que é seguido pelo Salmo 62 que, nas suas primeiras estrofes, afirma: “Ó Deus, vós sois o meu Deus, com ardor vos procuro. Minha alma está sedenta de vós, e minha carne por vós anela como a terra árida e sequiosa, sem água. Quero vos contemplar no santuário, para ver vosso poder e vossa glória. Porque vossa graça me é mais preciosa do que a vida, meus lábios entoarão vossos louvores. Assim vos bendirei em toda a minha vida, com minhas mãos erguidas vosso nome adorarei. Minha alma saciada como de fino manjar, com exultante alegria meus lábios vos louvarão”.
Santo Afonso Maria de Ligório afirmava: “quem reza se salva, quem não reza se condena”. Toda a grandeza do homem está aqui. A oração porém não são fórmulas ou gritaria de alguns grupos “carismáticos” que estão convencidos de que Deus é surdo e não sabe daquilo de que temos necessidade e, por isso, fazemos com que Ele perca seu tempo com a nossa lista de exigências. “Nem todo o que diz Senhor, Senhor, entrará no reino dos Céus, mas aqueles que fazem a vontade do meu Pai que está nos Céus”, nos diz Jesus.
Padre Aldo.
P.S.: Karai é um palavra em guarani que significa “um verdadeiro senhor”.
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