domingo, 2 de janeiro de 2011

A Mãe de Deus nos mostra o rosto do seu Filho...



Homilia do Santo Padre Bento XVI

Basílica Vaticana
Sábado, 1° de janeiro de 2011

Caros irmãos e irmãs!
Ainda envolvidos pelo clima espiritual do Natal, no qual contemplamos o mistério do nascimento de Cristo, hoje celebramos com os mesmos sentimentos a Virgem Maria, que a Igreja venera como Mãe de Deus, na medida em que deu carne ao Filho do eterno Pai. As leituras bíblicas desta solenidade dão especial atenção ao Filho de Deus feito homem e ao “nome” do Senhor. A primeira leitura nos apresenta a solene bênção que os sacerdotes pronunciam sobre os Israelitas nas grandes festas religiosas: ela é precisamente marcada pelo nome do Senhor, repetido três vezes, como que exprimindo a plenitude e a força que deriva de uma tal invocação. Este texto de bênção litúrgica, de fato, evoca a riqueza da graça e da paz que Deus doa ao homem, com uma benévola disposição por ele, e que se manifesta com o “resplandecer” do rosto divino e o “voltá-lo” para nós.
A Igreja escuta, outra vez, hoje, estas palavras, enquanto pede ao Senhor que abençoe o novo ano que apenas começou, na consciência de que, ante aos trágicos eventos que marcam a história, ante às lógicas de guerra que ainda precisam ser superadas, somente Deus pode tocar o ânimo humano no profundo e assegurar esperança e paz à humanidade. Já se consolidou, de fato, a tradição de que no primeiro dia do ano a Igreja, espalhada por todo o mundo, eleve uma oração para invocar a paz. É bom iniciar um novo trajeto colocando-se, decididamente, no caminho da paz. Hoje, queremos acolher o grito de tantos homens, mulheres, crianças e anciãos vítimas da guerra, que é o rosto mais horrendo e violento da história. Nós, hoje, rezamos para que a paz, que os anjos anunciaram aos pastores na noite de Natal, chegue a todos os lugares: “super terram pax in hominibus bonae voluntatis” (Lc 2, 14). Por isto, especialmente com a nossa oração, queremos ajudar cada homem e cada povo, particularmente os que têm responsabilidade de governo, a caminhar de modo sempre mais decidido no caminho da paz.
Na segunda leitura, São Paulo resume na adoção filial a obra de salvação realizada por Cristo, na qual a figura de Maria está como que engastada. Graças a ela o Filho de Deus, “nascido de mulher” (Gal 4, 4), pôde vir ao mundo como verdadeiro homem, na plenitude do tempo. Tal realização, tal plenitude, diz respeito ao passado e às esperas messiânicas, que se realizam, mas, ao mesmo tempo, se refere também à plenitude no sentido absoluto: no verbo feito carne, Deus disse sua Palavra última e definitiva. No início deste ano, ressoa assim o convite a caminhar com alegria em direção à luz do “sol que surge do alto” (Lc 1, 78), já que, na perspectiva cristã, todo o tempo é habitado por Deus, não há futuro que não seja em direção de Cristo e não existe plenitude fora da de Cristo.
O trecho do Evangelho de hoje termina com a imposição do nome de Jesus, enquanto Maria participa em silêncio, meditando no coração, do mistério desse seu Filho, que de modo singular é dom de Deus. Mas, a perícope evangélica que escutamos evidencia particularmente os pastores, que voltaram “glorificando e louvando a Deus por tudo o que haviam visto e ouvido” (Lc 2, 20). O anjo tinha anunciado a eles que, na cidade de Davi, ou seja, em Belém, havia nascido o Salvador e que encontrariam o sinal: um menino envolto em faixas dentro de uma manjedoura (cf. Lc 2, 11-12). Partindo apressadamente, eles encontraram Maria e José e o Menino. Notamos como o Evangelista fala da maternidade de Maria a partir do Filho, daquele “menino envolto em faixas”, porque é Ele – o Verbo de Deus (Jo 1, 14) – o ponto de referência, o centro do evento que está acontecendo e Ele que faz a maternidade de Maria ser qualificada como “divina”.
Esta atenção prevalente que as leituras de hoje dedicam ao “Filho”, a Jesus, não reduz o papel da Mãe, pelo contrário, a coloca na perspectiva mais justa: Maria, de fato, é verdadeira Mãe de Deus exatamente em virtude da sua total relação com Cristo. Por isso, glorificando o Filho se honra a Mãe e honrando-se a Mãe se glorifica o Filho. O título de “Mãe de Deus”, que hoje a liturgia ressalta, sublinha a missão única da Virgem Santa na história da salvação: missão que está na base do culto e da devoção que o povo cristão reserva a ela. Maria, de fato, não recebeu o dom de Deus somente para si mesma, mas para trazê-lo ao mundo: na sua virgindade fecunda, Deus deu aos homens os bens da salvação eterna (cf. Oração da Coleta). E Maria oferece continuamente a sua mediação ao Povo de Deus peregrino na história em direção à eternidade, como, antes, ofereceu aos pastores de Belém. Ela, que deu a vida terrena ao Filho de Deus, continua a dar aos homens a vida divina, que é Jesus mesmo e o seu Santo Espírito. Por isto, é considerada mãe de todo homem que nasce para a Graça e é invocada como Mãe da Igreja.
É em nome de Maria, mãe de Deus e dos homens, que desde o dia 1º de janeiro de 1968 se celebra em todo o mundo a Jornada Mundial da Paz. A paz é dom de Deus, como escutamos na primeira leitura: “O Senhor... te conceda a paz” (Nm 6, 26). Ela é o dom messiânico por excelência, o primeiro fruto da caridade que Jesus nos doou, é a nossa reconciliação e pacificação com Deus. A paz é também um valor humano a ser realizado no plano social e no político, mas tem suas raízes afundadas no mistério de Cristo (cf. Conc. Vat. II, Cost. Gaudium et spes, 77-90). Nesta solene celebração, por ocasião da quadragésima quarta Jornada Mundial da Paz, fico feliz de saudar os ilustres Senhores Embaixadores sediados na Santa Sé, com meus melhores votos por sua missão. Uma saudação cordial e fraterna ao meu Secretário de Estado e aos outros Responsáveis pelos Dicastérios da Cúria Romana, com particular pensamento pelo Presidente do Pontifício Conselho da Justiça e da Paz  e para seus colaboradores. Desejo manifestar a eles meu vivo reconhecimento pelo empenho cotidiano em favor de uma convivência pacífica entre os povos e pela formação sempre mais sólida de uma consciência de paz na Igreja e no mundo. Nesta perspectiva, a comunidade eclesial está sempre mais empenhada a agir, segundo as indicações do Magistério, no sentido de oferecer um seguro patrimônio espiritual de valores e de princípios na contínua busca pela paz.
Quis recordar em minha Mensagem pela Jornada que celebramos hoje, intitulada “Liberdade religiosa, caminho para a paz”: “O mundo precisa de Deus. Precisa de valores éticos e espirituais, universais e compartilhados, e a religião pode oferecer uma contribuição preciosa para esta busca, para a construção de uma ordem social e internacional justa e pacífica” (n. 15). Sublinhei, por isso, que “a liberdade religiosa é elemento imprescindível de um Estado de direito; não podemos negar isso sem atacar, ao mesmo tempo, todos os direitos e as liberdades fundamentais, que são sua síntese e vértice” (n. 5).
A humanidade não pode se mostrar resignada pela força negativa do egoísmo e da violência; não deve se habituar com os conflitos que provocam vítimas e colocam em risco o futuro dos povos. Diante das ameaçadoras tensões do momento, diante especialmente das discriminações, dos abusos e das intolerâncias religiosas, que hoje tocam especialmente os cristãos (cf. ibid., 1), ainda uma vez dirijo um urgente apelo a não ceder ao desconforto e à resignação. Exorto a todos a rezarem para que cheguem a bom termo os esforços empreendidos por muitos no sentido de promover e construir a paz no mundo. Para esta difícil tarefa não bastam as palavras, é preciso o empenho concreto e constante dos responsáveis das nações, mas é necessário sobretudo que cada pessoa se sinta animada pelo autêntico espírito da paz, que deve ser implorada sempre de novo na oração e vivida nas relações cotidianas, em cada ambiente.
Nesta celebração eucarística, temos diante dos olhos, para a nossa veneração, a imagem de Nossa Senhora do Sacro Monte de Viggiano, tão cara aos povos da Basilicata. A Virgem Maria nos dá o seu Filho, nos mostra o rosto do seu Filho, Príncipe da Paz: que ela nos ajude a permanecer na luz deste rosto, que brilha sobre nós (cf. Nm 6, 25), para redescobrir toda a ternura de Deus Pai; que ela nos sustente na invocação do Espírito Sano, para que se renove a face da terra e se transformem os corações, tirando deles a dureza diante da bondade desarmante do Menino que nasceu para nós. A Mãe de Deus nos acompanhe neste novo ano; obtenha para nós e para o mundo inteiro o desejado dom da paz. Amém.

* Texto retirado do site do Vaticano, do dia 1o de janeiro de 2011. Traduzido por Paulo R. A. Pacheco.

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