sexta-feira, 12 de agosto de 2011

Uma “viagem” no tempo para viver o cristianismo hoje


Por Danilo Zardin

“A modernidade não consiste somente de negatividade. Se fosse assim, não poderia durar por muito tempo. Ela tem em si grandes valores morais que advêm exatamente do cristianismo, que somente graças ao cristianismo, como valor, entraram na consciência da humanidade”.
Extrapolado do seu contexto, o elogio da alma boa que se esconde nas dobras profundas da modernidade filha da tradição europeia poderia parecer a alguém um pouco romântico e excessivamente otimista: no entanto, é impregnado do são realismo que está na base do juízo histórico-cultural elaborado por Joseph Ratzinger/Bento XVI, na qualidade de homem capaz de sistematizar a posição cristã diante dos desafios do nosso contexto contemporâneo.
A frase citada é retirada exatamente do recente livro-entrevista organizado por Peter Seewald, Luz do mundo, e foi retomada por Francesco Ventorino num discurso seu de apresentação do volume. Agrade ou não, é uma perspectiva de avaliação cheia de razão e altamente compreensiva, aberta a todas as dimensões globais daquele mosaico intrincado que é o mundo no qual vivemos.
Vale a pena levá-la realmente a sério como hipótese de leitura e colocá-la à prova com a máxima cordialidade confiante, começando pelos fragmentos de realidade do passado com os quais nos embatemos quando nos havemos com as criações artísticas, as memórias literárias ou os relatos históricos que nos restituem, hoje, as vozes e o pensamento mais autêntico, para além dos esquemas e dos preconceitos superficiais dos quais, às vezes, corremos o risco de ficarmos prisioneiros.
Neste sentido, uma ajuda significativa é oferecida pela tradução para o italiano da síntese do jesuíta Robert Bireley sobre a renovação católica da primeira idade moderna: Ripensare il cattolicesimo (1450-1700): nuove interpretazioni della Controriforma [Repensar o catolicismo (1450-1700): novas interpretações da Contra-Reforma, em tradução livre, publicado pela Marietti; ndt]. Na versão italiana, por exigências de simplicidade na divulgação da mensagem, foi introduzida no título a palavra “ripensare”. Mas, na versão original americana, de 1999, no lugar de “ripensare” se encontra uma ainda mais forte “remodelar” (The Refashioning), que, a partir do espaço das nossas concepções intelectuais, nos leva à substância dos desenvolvimentos históricos reconstruídos; assim como, ao invés de estar diante das “novas interpretações”, somos colocados diante, mais ambiciosamente, da proposta de uma “revisão” ou “reformulação”, em sentido geral (A Reassessment), daquilo que antes se usava chamar Contra-Reforma, mas que Bireley tentar redesenhar de forma diferente, a ponto de solicitar o abandono das velhas etiquetas de fundo polêmico, para passar a outras categorias de juízo mais adequadas ao objeto a que se referem.
Com efeito, como sabe muito bem que tem um mínimo de familiaridade com a história religiosa do nosso Ocidente, a crítica da unilateralidade contida no estereótipo negativo da “Contra-Reforma” já havia sido levada adiante, até ao mais elevado nível pela historiografia europeia do século XX, por Hubert Jedin. Mas Bireley, referindo-se mais à nova sensibilidade amadurecida na esteira das pesquisas dos últimos cinquenta anos, retomando a terminologia lançada por outro estudioso de bastante autoridade e jesuíta ainda ativo hoje em dia (John O’Malley), ultrapassa também a recuperação tentada por Jedin a favor da corrente positiva de uma “Reforma Católica” anterior e paralela ao movimento da Contra-Reforma.
Como O’Malley, Bireley opta decididamente pelo uso do único conceito geral de “catolicismo da primeira idade moderna”: onde o fantasma da contraposição à outra grande Reforma (a protestante) cessa de ser a pedra angular sobre a qual gravita toda a construção de um catolicismo reorganizado sobre seus fundamentos e readaptado às exigências de um universo modificado, depois da saída de cena daquele que, por três séculos ou mais, usou-se chamar  “Idade Média”.
Recapitulando os frutos mais atualizados da pesquisa internacional sobre a história cristã do mundo moderno, o livro do estudioso norteamericano traça, em alguns capítulos convincentes, o aspecto dinâmico e poderosamente criativo de uma religião que não era apenas a cansada relíquia de uma gloriosa tradição do passado, mas uma força viva que contribuiu, com um papel de primeiro plano, exatamente para o desenvolvimento, num sentido novo, da civilização humana que – aquela tradição – havia hospedado e feito crescer no seu seio fecundo.
O elemento dinâmico está justamente, para Bireley, na capacidade de “responder” às mudanças que se estavam desdobrando, sem fechar-se na defesa das velhas posições já garantidas. O novo que avançava era uma pergunta ou um “desafio” que solicitava a consciência católica a reagir, atingindo, a partir do patrimônio da sua extraordinária riqueza, ideias, estímulos e projetos que, depois, iriam se amalgamar com o vigor irreprimível de descobertas e aquisições revestidas do fascínio de uma originalidade surpreendente e plasticamente móvel, carregada de uma força propositiva tenaz.
Esta parábola de inteligente aplicação em proveito dos recursos contidos no próprio código genético é delineada por Bireley em relação ao florescimento dos novos carismas e dos novos modelos de santidade ativa, que revolucionaram os quadros das instituições da Igreja de Roma e dilataram em sentido ainda mais impressionantemente pluralista a variedade das suas formas de vida religiosa comunitária, antes e depois do Concílio de Trento (enquanto que a Reforma, no norte, tendia a reduzir tudo a um esquema filoparoquial achatado em sentido nivelador).
Mas a dinâmica reemerge também na invenção de uma estratégia educativa intensificada para atingir o indivíduo, ancorada no cuidado da consciência pessoal do eu, no desfrute dos recursos da cultura escrita, do catecismo e da escola, na disciplina da conduta prática através da elaboração de sistemas de regras, de guias, de manuais, de “exercícios”, de modelos ideais nos quais se espelhar e pelos quais se deixar dirigir para imprimir uma “forma” à própria vida do mundo.
A mesma ânsia de propor uma rede global de significados para a vida de cada homem se derramou, já desde o início do mundo moderno, numa nova “evangelização” destinada a se projetar de forma decidida, pela primeira vez na história, para além dos confins da Europa. As missões eram dirigidas, porém, também para o interior, rumo à restauração da velha forma de ser da cristandade do continente e em vista do novo impulso da sua consciência ética coletiva, tendo como pano de fundo a grande obra conjunta que entrava em diálogo com as exigências da política e da consolidação dos aparatos de Estado, assim como se dobrava sobre as forças secretas da natureza e buscava dominar os seus mecanismos para manipulá-los a fim de manter a centralidade do bem-estar do homem, servindo-se da ciência e da técnica como prolongamentos necessários da gestão responsável da totalidade da criação.
O êxito talvez mais surpreendentemente moderno deste esforço de “repensamento” da inserção da fé católica na realidade do mundo foi a descoberta ainda mais lúcida e consciente da possibilidade de viver o cristianismo, “na sua plenitude”, não apenas num estado de perfeição separado das condições da massa do povo dos fiéis, mas também dentro do fluxo de uma “secularidade” plasmada pelos deveres do governo da família, dos compromissos cotidianos de trabalho, na imersão mais ampla e envolvente dentro da vida coletiva da sociedade: uma fé totalmente encarnada, mas capaz de reconverter a “carne” mesma da vida do mundo.

O livro de Robert Bireley foi publicado em 2010, em italiano, e pode ser adquirido na Itacalibri, pelo valor de € 29,00. A edição original, de 1999 - The Refashioning of Catholicism, 1450-1700: A Reassessment of the Counter Reformation - pode ser adquirida na Amazon, ao preço de $ 17,53.

* Extraído do IlSussidiario.net, do dia 12 de agosto de 2011. Traduzido por Paulo R. A. Pacheco.

Um comentário:

Manuel Filipe Santos disse...

Parabéns pelo seu blog.
Já era seu seguidor há uns tempos mas vou acompanhar com ainda muito mais atenção.
Muito obrigado,
Manuel Filipe Santos.