quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

Crise da autoridade? O grande erro da liberdade moderna...


Por Stefano Biancu

Nestas páginas enfrentou-se, sob vários aspectos, o tema da crise da autoridade. O dissídio entre autoridade e razão representa, para o bem e para o mal, um nó constitutivo do aspecto intelectual da nossa modernidade. Hannah Arendt já falava disso: a crise atual da autoridade depende diretamente da estrutura intelectual e político-social da modernidade ocidental, que perdeu “the dimension of depth” – a dimensão da profundidade. Ou, para dizer com poucas palavras, a referência constitutiva a qualquer coisa de (sempre) precedente e fundante.
Convém, todavia, reconhecer como a atual crise da razão moderna não só não resultou numa ampla reavaliação da autoridade, como também exacerbou a crise mesma.
Explico-me. A única forma de autoridade que a modernidade reconheceu como legítima é a da razão autônoma, entendida como essência exclusivamente pensante (res cogitans) aplicada ao conhecimento de uma realidade substancialmente redutível a seus aspectos mensuráveis e quantificáveis (res extensa). A crise da única forma de autoridade tida como legítima – a da razão autônoma – levou a crise da autoridade, dessa forma, ao seu paroxismo.
No alvorecer da modernidade, os desafios inerentes à grande representação de uma distinção clara entre res cogitans e res extensa era dúplice. Em primeiro lugar, tratava-se de garantir a possibilidade de uma relação objetiva e neutra com o real, e isto com a finalidade de legitimar a ciência moderna: convinha postular um sujeito (res cogitans) que fosse de uma matéria completamente diferente da do objeto de sua observação (res extensa). Em segundo lugar, tratava-se de reagir à exagerada pretensão de mediação proveniente de instâncias políticas e religiosas: convinha afirmar a imediaticidade de certos direitos fundamentais do indivíduo, direitos que deveriam ser reconhecidos para cada ser humano desde o seu nascimento, e portanto independentemente da sua história e da sua posição, ou seja, da sua colocação no tempo e no espaço. Neste sentido, a grande representação teórica de uma res cogitans atemporal e aespacial teve o mérito de assegurar e garantir o nascimento e o desenvolvimento não apenas da ciência moderna, como também do Estado de direito. Méritos preciosos e de valor indubitável.  
Os problemas, porém, nasceram no momento em que se sustentou que esta representação artificial pudesse exaurir completamente a humanidade do homem. Ler e tentar compreender a autoridade a partir do paradigma de uma razão radicalmente livre de pressupostos (res cogitans) significou, de fato, se opor à possibilidade de encontrar categorias adequadas para o objetivo. Com efeito, é evidente como não é possível compreender a autoridade a não ser a custo de uma radical reflexão tardia acerca da nossa humanidade e da nossa liberdade, na medida em que humanidade e liberdade ricas de pressupostos: ou na medida em que as considerarmos como inseridas num tempo e num espaço.
Se de fato, jurídica e politicamente, a liberdade só pode ser um direito universal a ser reconhecido imediatamente para quem quer que seja, de um ponto de vista ético e antropológico esta imediaticidade representa apenas uma abstração. Eticamente, a liberdade é, de fato, também um dever e uma responsabilidade. Antropologicamente, sempre se está no caminho em direção à própria liberdade. Não nascemos livres: tornamo-nos livres, e nos tornamos graças ao encontro com liberdades mais maduras do que a nossa, que se tornam assim autoridades. Mais a liberdade com a qual se entra na relação é madura, tanto mais ela terá o caráter de uma autoridade geradora de liberdades. No fundo, este é o princípio de toda educação.
Neste sentido, ao lado de uma experiência (jurídico-política) da liberdade como direito, convém reconhecer uma experiência da liberdade como dever (nível ético) e, finalmente, uma mais fundamental experiência da liberdade como dom (nível antropológico). Ter achatado toda experiência possível da liberdade a partir do paradigma jurídico-político de um direito a ser reivindicado imediatamente, levou a uma redução da autoridade a limite (mais ou menos necessário) da liberdade. Tem significado, na melhor das hipóteses, uma redução da autoridade ao nível de um mal menor a ser suportado: seja como for, a uma frustração da liberdade.
Para voltar a compreender a natureza geradora de uma autêntica relação de autoridade, é preciso portanto voltar a prestar contas com a dimensão temporal da nossa história humana: com aquela dimensão da profundidade de que falava Arendt. No nível individual, isto significa  reconhecer que sempre estamos no caminho em direção à nossa própria liberdade – em direção à nossa própria humanidade – que não pode ser simplesmente tomada como um dado óbvio (a não ser no quadro daquela preciosa abstração jurídico-política que constitui um dos pilares do moderno Estado de Direito). No nível social, prestar contas com a dimensão constitutiva da temporalidade significa reconhecer que somos colocados dentro de uma estrutura de transmissão em virtude da qual é importante não apenas garantir as condições de um “espaço público”, mas também de uma “duração pública” (que se revela essencial exatamente para garantir a qualidade do espaço público).
Somente reconhecendo a rica genealogia da nossa liberdade e da nossa humanidade – como liberdade e humanidade ricas de pressupostos – é que será possível voltar a compreender a natureza de uma autoridade geradora de liberdade: mesmo no contexto da modernidade.

* Extraído do IlSussidiario.net, do dia 15 de dezembro de 2011. Traduzido por Paulo R. A. Pacheco.

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