quarta-feira, 16 de setembro de 2009

Cartas do P.e Aldo 105



Asunción, 16 de setembro de 2009.

Caríssimos,
“Padre Aldo, durante todo o tempo em que esteve ausente, os doentes, quase esquecendo de suas dores, rezaram não por si mesmos, mas por você, para que voltasse logo e são”: isso me disseram os enfermeiros quando voltei para o Paraguai.
A mesma coisa me disseram as crianças: “Papai, agora você não pode nos deixar mais por tanto tempo, porque você faz muita falta para nós”. Em seguida, me conduziram para ver o último de seus irmãozinhos, que chegou durante a minha ausência... e o chamaram... Tem dois meses e é filhos de uma menina de 13 anos que o deixou conosco e desapareceu. Olhem como ele é bonito!
Um morre, outro nasce. A cada semana vejo a vida que desabrocha e começa os seus primeiros passos, passos já marcados pela dor e pelo abandono ou por todo tipo de violência... e a vida que chega à sua plena maturidade no encontro com Cristo. Como vocês podem ver, nós estamos, a cada instante, diante do Mistério.
Tão logo voltei da Itália, uma garotinha, uma das minhas filhas que mais sofreu de contínuos abusos sexuais, teve uma crise assustadora de histeria. Não conseguimos, em cinco, segurá-la. Para mim, foi uma coisa de causar infarto de tão violenta que foi. Senti uma dor lascerante e me perguntava pelo porquê daquela reação. Por um dia não havia nada o que fazer: era impossível qualquer relacionamento... o que fazer? “Eu sou Tu que me fazes”... a minha impotência, a minha dor imediatamente prestaram conta com esta certeza. E, assim, enquanto o advogado redigia a solicitação ao tribunal para denunciar o acontecimento e, eventualmente, solicitar que eu renunciasse à posse paterna, eu fixava o Mistério, que me provocava, através da realidade, a não assinar a nota do advogado. “Eu sou Tu que me fazes”... se é verdade para mim, é verdade também para a minha criança. E assim, rasguei a nota do advogado. Perto da noite, chamei a garotinha, que ainda estava com a cara fechada. Abracei-a, acariciei-a, com o coração que gritava: “Senhor, faz com que ela sinta o Teu carinho e que não seja definida por esta ferida de um passado cheio de violência”. Ela ficou ainda enrijecida... mas, num certo momento, eu lhe disse: “Escute-me bem: quando eu voltar do Brasil, vou querer que você seja a minha secretária”. De repente, ela me sorriu, me deu um beijo e, com o coração sereno, parti. Na volta, quando fui pegar os meus filhos para levá-los à escola, a garotinha me deu um beijo e uma cartinha bem dobrada. Chegando em casa, a li: “Perdoe-me... eu não sabia o que estava fazendo e não me comportarei mais assim. Peço a Jesus e a Nossa Senhora que me ajudem a mudar. Perdoe-me... eu quero muito bem ao senhor. Nas três semanas em que você não estava aqui, eu senti muito a sua falta. No dia em que partiu para a Itália, sofri muito. E, agora, que você foi para outro lugar, não sei o que fazer”. A cartinha, escrita depois de minha partida para o Brasil, estava cheia de flores e de estrelas, com um sol bem grande. Amigos, uma vez mais eu toquei com a mão o fato de que não existe violência ou circunstância que não possa ser vencida pela certeza de que “eu sou Tu que me fazes”.
É somente esta experiência do instante vivido como afirmação do “Tu que me fazes” que, não apenas me permite viver com letícia, mas que também me permite educar as minhas crianças e lhes permite sair das situações mais violentas que tenham vivido ou que vivam. Não é a psicologia ou a psicanálise que podem fazer estes milagres, mas apenas a minha frágil humanidade cheia desta certeza. Educar a viver, educar a morrer é comunicar esta certeza que vibra no meu coração: “eu sou Tu que me fazes”. No tempo, este Tu toma o eu e permite ao eu olhar-se com os olhos do Tu, isto é, com ironia. E a pessoa finalmente goza a própria companhia. E assim se torna educador e as crianças começam a sorrir e os pacientes terminais começam a olhar no rosto, com letícia, a morte.
Ciao
Padre Aldo

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