quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Quanto mais Estado, mais corrupção

Por Carlos Alberto Sardenberg *

Pode procurar em qualquer lugar do Brasil de hoje, em qualquer setor da economia, e você vai encontrar empresários, executivos e administradores empenhados em alcançar ganhos de produtividade. É a resposta correta ao ambiente de estabilidade macroeconômica. Se o planejamento não será destruído pela inflação, se os lucros não serão devorados por uma moeda sem valor, então vale a pena - na verdade se torna obrigatório - buscar eficiência dentro do próprio negócio. Agora, imaginem a sensação dessa gente de bem, do lado moderno do País, ao verificar que uma boa conexão em Brasília vale mais do que a criatividade e o esforço físico das pessoas envolvidas nas empresas.
O "capitalismo de compadres" tem esse efeito destruidor sobre o espírito empreendedor, sem o qual nenhum país vai para a frente.
De que adianta ter uma boa ideia e preparar um bom projeto se, para levá-lo adiante, precisa-se de uma decisão ou de um favor de alguém do governo? A conexão para viabilizar o projeto acaba se tornando mais importante do que o próprio projeto.
Vamos logo fazer as ressalvas de praxe: é claro que o mercado não funciona sem o Estado, as leis, os controles e as garantias institucionais; é claro que é indispensável a atuação dos governos em educação, saúde, segurança, transporte; é claro que é razoável a presença do Estado estimulando, de algum modo, setores novos da economia ou setores mais complicados.
Mas é claro também que o Estado no Brasil vai muito além desses pontos. Isso se manifesta em vários níveis. Os dois primeiros separam a atuação do Estado como regulador e fiscalizador da ação direta na economia. No primeiro nível estão, por exemplo, as agências reguladoras. No segundo estão as estatais, os bancos e as empresas públicas, além do próprio governo quando atua como construtor de estradas, portos, hidrelétricas, etc.
Certamente, em todos esses níveis de intervenção estatal pode haver eficiência e espírito público. Imaginem, por exemplo - para ir ao limite -, que os diretores das agências e das estatais fossem contratados no mercado por competentes e reconhecidas consultorias privadas de gestão de recursos humanos.
Absurdo? De jeito nenhum. Isso é até bastante comum pelo mundo afora. O atual presidente do banco central de Israel, Stanley Fischer, um economista americano, foi contratado assim, numa espécie de concorrência global. Aliás, basta abrir as páginas de classificados da revista The Economist: toda semana aparecem editais oferecendo vagas de diretores e presidentes de companhias públicas em diversos países, sem restrição de nacionalidade para os candidatos.
O Brasil, e especialmente no governo Lula, está no lado exatamente oposto. As nomeações são politizadas, cargos repartidos na base de apoio. Isso escancara as portas do "compadrio" e da pura e simples corrupção.
Reparem, um diretor de estatal ou de agência, contratado pela competência, terá compromissos com os resultados fixados por ocasião da admissão. Por exemplo: a diretoria dos Correios terá como objetivo dobrar o faturamento em tantos anos e reduzir o prazo de entrega da correspondência em tantas horas. Cumpriu, recebe o prêmio; não cumpriu, está fora.
Um diretor nomeado pelo partido tem compromisso com o partido e com os companheiros em geral. Note-se que o presidente Lula consagrou como correta a tese de que é preciso colocar os companheiros e aliados, por critérios políticos, nos postos de governo, nas agências reguladoras e nas companhias públicas.
O compromisso com o partido ou com o presidente pode ser cumprido de maneira legal, mas mesmo assim causando danos. O governo pode impor programas e obras, sem roubalheira, mas que só se justificam política e eleitoralmente. Por exemplo, a Petrobrás, tempos atrás, apresentou ao presidente Lula um plano de investimentos mais modesto. O presidente mandou ampliar para os gigantescos programas atuais. É grande o risco de a empresa estar se metendo em projetos caros demais, de baixa rentabilidade.
Lula também está forçando os bancos públicos a aumentarem seus empréstimos, desde para grandes empresas escolhidas pelo governo até para famílias comprarem a casa própria. Os empréstimos podem ser ruins e o dinheiro pode não voltar.
Por que dizemos "pode"? Porque isso só se saberá mais à frente. Mas o precedente é este: estatais e bancos (incluindo o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal) quebraram exatamente com esse tipo de política econômica. Já vimos esse filme. E notem. Os dirigentes, nomeados politicamente, nem pensam em contestar as ordens vindas do governo.
Neste caso, temos erros de política. Mas esse sistema inevitavelmente acrescenta a corrupção. Para dizer francamente, quanto mais Estado na economia, mais corrupção. Exemplo? Os países socialistas, de economia inteiramente estatal, bateram todos os recordes de corrupção e ineficiência.
O governo FHC havia saneado estatais e bancos e introduzido regras técnicas e de mercado para seu funcionamento. O governo Lula repolitizou tudo. Com as consequências que já vemos por aí. Se conseguiram estragar os Correios - com ineficiência e corrupção -, por que não conseguiriam estragar a Petrobrás ou a Caixa Econômica Federal?
É isso aí: nessas atividades econômicas, quanto menos Estado, melhor. Deixem nas mãos dos empreendedores privados. São mais eficientes do que os amigos do rei. E não roubam.

* Carlos Alberto Sardenberg é jornalista. O texto foi extraído da versão online d'O Estado de São Paulo, o dia 22 de setembro de 2010.

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