Sermão do Padre António Vieira proferido na Capela Real em 19 de Março de 1642, dia de aniversário do Rei D. João IV
Cum esset desponsata Mater Jesu Maria Joseph
[Maria, Mãe de Jesus, estava comprometida em casamento com José; Mateus 1, 18.]
V. Tenho acabado o sermão; de todo ele quisera tirar somente uma coisa, queira o Senhor que seja tão bem recebida nos ânimos de todos, como é a todos necessária e importantíssima. O que concluo de todo este discurso é, que deve o reino de Portugal tomar solenemente a S. José por particular advogado, e protector de sua conservação e aumentos. A razão que tenho para isto, é a mais eficaz, que pode ser: querer Deus que seja assim, nem nós devemos querer outra coisa. Sonhou el-rei Faraó que haviam de vir a seu reino aqueles catorze anos de vária fortuna, e dizendo-lhe que importava prevenir-se de algum varão de grande prudência, que superintendesse à conservação e remédio do reino, Placuit Pharaoni consilium [O conselho agradou ao Faraó» Génesis 41, 37], contentou o conselho ao rei, e voltando-se para José, disse: Nunquid sapientiorem, et consimilem tui invenire potero ? [“não há ninguém tão inteligente e sábio como tu”; Génesis 41, 39.] Porventura, José, posso eu achar algum que seja mais sábio, mais prudente, e em cujas mãos e conselho esteja mais segura minha monarquia? O ceptro e a coroa ponho debaixo do vosso patrocínio, mandai, ordenai, despendei, não como vassalo, mas como pai. O mesmo digo no nosso caso.
Isidoro de Isolano já acima alegado, autor, que há muitos anos que escreveu, admirando-se muito de que em seu tempo não fosse celebrado na Igreja o glorioso S. José, conclui assim: Suscitabit Dominus sanctum Joseph ad honorem nominis sui, caput, et patronum peculiarem imperii militantis Ecclesiae.Esteja embora esquecido por agora S. José, e não seja sua memória tão celebrada como merece; que Deus levantará este grande santo a seu tempo, para que seja particular padroeiro do seu império na Igreja militante: Patronum peculiarem imperii militantis Ecclesiae. Duas coisas havemos de saber para entendimento destas palavras: uma, quando se começou a celebrar S. José; outra, qual é no mundo o império de Cristo. O tempo em que se começou a celebrar S. José, foi pontualmente depois da perda de el-rei D. Sebastião, de triste memória, e antes da felicíssima restituição à coroa de el-rei D. João nosso senhor; para que posto entre a ruína do Reino, e o remédio: compadecido da ruína, a remediasse. E o império de Cristo qual é? O mesmo Senhor foi servido de no-lo explicar, quando disse a nosso fundador, o senhor rei D. Afonso Henriques: Volo in te, et in semine tuo imperium mihi stabilire. Quero em vós, e em vossa descendência estabelecer o meu império. Pois se Deus levanta no mundo a S. José, quando quer levantar a Sua Majestade por rei: se o império de Cristo na Igreja militante somos nós; e S. José há-de ser particular padroeiro deste império: que resta, senão que efectivamente se conclua de nossa parte, que é o constituir e reconhecer com pública solenidade a S. José por protector particular do reino de Portugal, e sua conservação; dizendo a este José, o que os Egípcios disseram ao outro: Salus nostra in manu tua est, respiciat nos tantum Dominus noster, et laeti serviemus regi [“Tu nos salvaste a vida! Achemos graça aos olhos de meu senhor e seremos os servos do Faraó.”; Génesis 47, 25]?
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