sábado, 19 de março de 2011

Cum esset desponsata Mater Jesu Maria Joseph - Parte II


Sermão do Padre António Vieira proferido na Capela Real em 19 de Março de 1642, dia de aniversário do Rei D. João IV

Cum esset desponsata Mater Jesu Maria Joseph
[Maria, Mãe de Jesus, estava comprometida em casamento com José; Mateus 1, 18.]

II. Só vejo me podem reparar os curiosos em falar no dia de S. José por termos de morte, sendo que mais devia com um, e outro intento chamar-lhe, nascimento; porque assim chama a Igreja às mortes dos santos: Natalitia Sanctorum. Se eu não fora mais amigo da verdade, que da propriedade, assim o fizera; mas as mortes de outros santos podem-se chamar nascimentos; a morte de S. José, não. As mortes de outros santos podem-se chamar nascimentos, porque quando morreram à vida temporal, nasceram à vida eterna. Não assim S. José. Como não estava ainda aberta a porta do Céu, quando S. José morreu, não foi o Santo no dia de sua morte à glória, senão ao Limbo. Ao Limbo S. José neste dia? Valha-me Deus; que duvidoso horóscopo! Não sei eu como poderei provar o que entrei dizendo que não se podia nascer com melhor planeta. Dizem os matemáticos, que nascer com os planetas debaixo da Terra, é prognóstico de infelicidades. Pois se S. José neste dia seu o temos todo debaixo da terra, o corpo na sepultura, a alma no Limbo; que influências podemos esperar deste planeta em tão funesto sítio? Ora digo que é felicíssimo auspício ter neste nascimento a S. José debaixo da terra; porque ainda que os planetas debaixo da Terra tenham perigosas influências, tiram-se por excepção os planetas que são Josés: os planetas que são Josés, para influírem felizmente, hão-de estar debaixo da Terra.

Estava o patriarca José em Egipto: morreu, e diz o Texto sagrado, que depois de sua morte, cresceram muito os israelitas em número e poder: Quo mortuo, creverunt filii Israel quasi germinantes multiplicati shunt, ac roborati nimis, impleverunt terram [Os filhos de Israel foram fecundos e se multiplicaram; tornaram-se cada vez mais numerosos e poderosos, a tal ponto que o país ficou repleto deles. Êxodo 1, 6-7.] Que os filhos de Israel crescessem pelos merecimentos de José, não me admira; antes assim havia de ser, que isso quer dizer José, aumento e crescimento: Joseph accrescens. O que me admira é que crescessem os Israelitas depois dele morto: Quo mortuo. Se José quer dizer crescimento, e os filhos de Israel cresceram por sua influência, porque não cresceram em sua vida, senão depois de sua morte? A razão é porque para se lograrem as influências de José, há-de estar debaixo da terra. Delicadamente o tirou Hugo Cardeal do mesmo Texto. Diz o Texto que: Creverunt quasi germinantes, cresceram os filhos de Israel, assim como crescem as plantas. Bem dito, diz Hugo:Uno grano emortuo, multa creverunt: Cresceram os filhos de Israel como as plantas; porque assim como as plantas, para nascerem, e crescerem, é necessário que a virtude de que nascem, se enterre primeiro debaixo da terra; assim para que a virtude de José influísse aumentos nos filhos de Israel, foi necessário que ele morresse e se enterrasse primeiro: Quo mortuo, creverunt. Os outros planetas hão-de estar em cima, mas os Josés debaixo da terra.

Grande advertência de Filo. Pode-se duvidar a razão porque José se mostrou tão benigno, e fez tantos favores e mercês a seus irmãos, de quem recebera tantos agravos. Digo que se pode duvidar; porque bem mostraram os primeiros dois irmãos, Caim e Abel, que não basta a razão de irmandade para abrandar corações. E se um irmão respeitado mata; um irmão ofendido, que fará? Pois se José estava tão ofendido de seus irmãos, como se mostrou tão benigno e liberal com eles? A razão, disse Filo, que foi por umas palavras que disseram a José os irmãos. Quando lhe deram conta de si, disseram que eram doze; os dez que ali estavam, um que ficara com o pai, e outro que morrera, que era o mesmo José. As palavras foram estas: Duodecim fratres sumus: minimus cum patre nostro est, alius non est super [“Somos doze irmãos: o mais novo está agora com o nosso pai e há um que não mais existe”; Génesis 42, 13]. O menor de todos, Benjamim, ficou com o pai; o outro, que era José,Non est super, já não está em cima, está debaixo da terra. Já está debaixo da terra José? Por isso se mostrou tão benigno, e liberal com os irmãos, diz Filo: Alius non est super, de se loquentes audiens, quid animi habere potuit? Ouvindo dizer José que já não estava em cima, senão que estava debaixo da terra, que outra coisa pode fazer senão amar, favorecer, e influir beneficamente liberalidades? Os outros planetas, para influírem benignamente, hão-de estar em cima; mas José, quando não está em cima, senão debaixo da terra, como hoje assim tem o hebreu: Hodie non est super no dia em que não está em cima, senão debaixo da terra, então influi vida, mercês, felicidades, e aumentos.


Nenhum comentário: