quinta-feira, 29 de setembro de 2011

A lição de Dante e de Agostinho para curar a “doença da alma”


Por Laura Cioni

Entre os vícios capitais, o menos conhecido, mesmo que muito difundido, é a acídia. Escreveu-se a seu respeito em todos os tempos, refletindo-se acerca da vida moral a partir dos conceitos de vício e de virtude, numa modalidade concreta e facilmente observável mesmo na vida cotidiana. Horácio, tão sabiamente epicurista, numa carta sua definiu a acídia como strenua inertia, inércia ansiosa, ou, em outras palavras, inquietude. Tácito, por sua vez, falando sobre como os estudos, em tempos de opressão política, definham, e afirmou, de maneira muito realista, que apenas a liberdade redescoberta seria capaz de favorecer a retomada dos estudos, mas com uma fadiga, porque não podemos nos enganar: existe uma secreta suavidade mesmo na ociosidade que, se é odiada no início, no fim é amada.
Para Santo Tomás, a acídia não é apenas a demora para se decidir pelo bem e a inconstância no persegui-lo, mas mais precisamente é a tristeza do bem, uma inatividade da alma que não quer e, ao mesmo tempo, não consegue se voltar para a verdadeira alegria.
Dante a representa no Inferno, colocando os acidiosos junto dos iracundos no pântano do Estige: “Fitti nel limo dicon: ‘Tristi fummo / ne l'aere dolce che dal sol s'allegra, / portando dentro accidïoso fummo: / or ci attristiam ne la belletta negra’” (“‘Nos doces ares, a que o sol aquece’ - No ceno imersas dizem - ‘tristes fomos: dentro em nós fumo túrbido recresce. Ora no lodo inda mais triste somos’”): como foram tristes na vida, envoltos pela fumaça da negligência, da mesma forma, na eternidade, vivem o mesmo humor negro, que lhes aperta a garganta como o lodo que lhes enche a boca. O poeta volta a falar da acídia nos cantos centrais do Purgatório, onde explica a dinâmica da liberdade humana; pela boca de Virgílio, define a acídia assim: “amor del bene scemo / del suo dover” (“do bem o amor recua no seu dever”), ou seja, desejo apenas intencional, sem os atos necessários para alcançar o bem e saboreá-lo. Dante explica como todo homem deseja o verdadeiro bem e luta para obtê-lo: “Ciascun confusamente un bene apprende / nel qual si queti l’animo, e disira; / per che di giugner lui ciascun contende” (“Confusamente cada qual se acende por certo bem e sôfrego o deseja: por ter-lhe a posse, afana-se e contende”). E na beira do penhasco vê os acidiosos arrependidos espiando o fato de não terem favorecido desejo algum e de não o terem perseguido com amor pressuroso e operante: “Se lento amore in lui veder vi tira, / o a lui acquistar, questa cornice, / dopo giusto penter, ve ne martira” (“O que do bem no amor inerte seja depois que do pesar sofrerá agrura, é justo que em martírio aqui se veja”).
A insuficiente energia moral da acídia é reconhecida como característica sua por Petrarca no Secretum, o diálogo literário com Santo Agostinho; nesta obra, ele diz que sua origem está na desilusão. Mesmo aqui podemos ver que os modernos - e não apenas os poetas - são um pouco herdeiros seus também.
Podemos especular que a acídia seja um vício predominante dos nossos dias; muitos sinais indicariam isto pela simples observação: o desprezo a todas as diretivas, o tédio, o desperdício, a mania pelo efêmero, a falta de contentamento, o ressentimento... todos são comportamentos difundidos e pouco percebidos e, exatamente por isso, geradores de males piores, que enchem a sociedade de violência e de injustiça. 
Como se corrige este mau hábito da alma, ligado à inatividade, à inquietude, à ira, à melancolia? É difícil superar a tristeza do bem com suas próprias forças, mas também as muitas palavras confusamente cheias de pareceres, conselhos e sermões parecem pouco eficazes. Somente um acontecimento pode agitar a vida e mudar a direção das coisas, como se nota, por exemplo, nas biografias dos grandes e em acontecimentos familiares menos conhecidos. O grande recurso que temos é certamente o de estar presentes a nós mesmos, admitir nossos próprios erros, prever a fadiga de nos levantarmos e recomeçar a caminhada... quem sabe, a descoberta de um novo amor.
Mas, uma experiência dada apenas a alguns, e bastante decisiva, foi descrita por Agostinho nos últimos diálogos com sua mãe: ele imagina que, para o homem, tudo silencia - a terra, o céu, a alma mesma -, e neste silêncio ele pode ouvir a voz de Deus falando não através das coisas, mas através de Sua boca mesma; então, não seria isto o “entrar na alegria do teu Senhor”?
Se a descoberta da alegria de Deus, imprevisível e duradoura, irrompesse num ponto crucial da vida, a acídia seria vencida no ato: “Fomos libertados como um pássaro do laço dos caçadores; o laço arrebentou-se e nós escapamos”. Restaria a liberdade de voar.

* Extraído do IlSussidiario.net, do dia 29 de setembro de 2011. Traduzido por Paulo R. A. Pacheco.

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