segunda-feira, 22 de junho de 2009

Cartas do P.e Aldo 75



Asunción, 21 de junho de 2009.

Caríssimos,
“O pensamento mais correto, mais científico, não é nada diante daquilo que acontece; a loucura consiste em acreditar que são eventos os simples pensamentos”.
Esta afirmação de Pavese descreve bem a minha história e também o trabalho cotidiano de que fala Carrón, o trabalho a que sou chamado a fazer sobre mim mesmo. Um trabalho sustentado de modo excepcional pela dor que me circunda e que está dentro de mim 24h por dia. Parecerá para muitos um absurdo, porém eu acho muito bonita uma frase que uma amigo me disse, comentando a frase de Pavese: “o remédio para a loucura é dado pela dor, que – sim ou sim – nos faz colocar os pés na terra”.
Colocar os pés na terra é a grande batalha dos últimos 20 anos... até hoje, dia em que completo 38 anos de sacerdócio. E o que me permite o milagre que é amar a verdade dos “pés na terra”, da realidade, o milagre que me permite viver comovido, em paz, mesmo quando, como hoje, as circunstâncias parecem negativas (o drama dos maus pensamentos, que é o que nos distrai da verdade, da realidade), enquanto são positivas? É a graça... a graça mendigada instante após instante, mesmo fisicamente, repetindo sempre “eu sou Tu que me fazes” ou “mesmo os cabelos da tua cabeça estão contados”.
Hoje, há 38 anos atrás, eu estava sendo ordenado sacerdote. O evangelho do dia era Mt 6, 24-34, onde Jesus faz várias perguntas a seus discípulos, perguntas que têm como fundo aquilo que o Carrón nos repete frequentemente: “mesmo os cabelos da tua cabeça estão contados”. Mas, então, vocês entendem que, de fato, o primeiro trabalho a fazer é pedir que este capítulo de Mateus se torne carne? Humildemente, mas olhando de verdade para mim mesmo e para a minha história, descubro que o que acontece é literalmente aquilo que descreve São Mateus. Mas, pensem: se a minha vida não fosse assim, se todas essas obras não fossem assim... que sentido teriam? Nenhum.
Sim, para sair da “loucura”, isto é das imaginações, dos projetos, dos pensamentos, é necessário que as palavras de Mateus se tornem carne.
Caros amigos, enquanto escrevo para vocês estas coisas, estou diante dos meus pequenos crucifixos: Victor, Aldo e Cristina. De forma que vocês podem entender o que quer dizer, para mim, a palavra “dor”. No quarto ao lado, Marciana, de 20 anos, está com sua situação cada vez mais grave. Ao seu lado, Cláudia, de 35 anos, evangélica, me disse: “estou no fim, quero me confessar, comungar, voltar para a Igreja católica”. Nos dois últimos dias, dois mortos, entre os quais uma jovem mãe, que morreu depois de ter cantado “Te adoramos, Hóstia Divina” e dizendo “agora, eu cantei tudo”.
Agora, chegaram as minhas crianças da Casinha de Belém... os maiorzinhos. Vão fazer, comigo, a procissão com o Santíssimo. Eles vão ficar do lado de cada doente grave e mesmo os moribundos. Eles são educados a olhar de frente para a verdade da realidade. A realidade nunca dá medo, porque grita a Sua presença.
Olhem para eles na foto, que acabei de tirar. Estão com Atílio, que está no fim. Olhem para os rostos deles e para o de Atílio. “Morte, onde está o teu aguilhão?”. Atílio e as minhas crianças olham de frente para a morte, assim como olham para a vida... Observo e entendo a beleza da frase de Pavese... Jasmim, a que está com o rostinho entre as mãos, olhando para Marciana, me disse: “Que bonita! Parece a minha mãe quando estava viva aqui na clínica”. Cada sábado, eles querem vir até a clínica para ver o leito, o quarto onde morreram suas mães.
Como vocês podem ver, a realidade é estupendamente amiga, assim como cada circunstância é, para nós, o sorriso de Deus.
É mesmo bela a vida!
Boas férias... mas vividas assim...
P.e Aldo.

Um comentário:

Dimitri Martins disse...

Isto aqui é de uma beleza impressionante! Um grande abraço!