Por Julián Carrón
Sai o novo volume das “palestras” de Luigi Giussani: Julián Carrón evidencia a intuição do fundador de CL sobre o risco de perder todo sentido do humano
“Um homem culto, um europeu dos nossos dias pode acreditar, acreditar mesmo, na divindade do filho de Deus, Jesus Cristo?”. Talvez, ninguém mais do que Dostoievski, em Os Irmãos Karamazov, soube colocar de modo tão sintético e peremptório o desafio diante o qual se encontra o Cristianismo na modernidade. Dom Giussani teve a coragem de enfrentar este desafio histórico, radicalizando-o, se possível. De fato, ele aposta tudo na capacidade de sua proposta educativa gerar um tipo de sujeito cristão que “mesmo se todos fossem embora – todos! –, quem tem essa dimensão de consciência pessoal (que a fé gera) não pode fazer outra coisa que recomeçar sozinho”. É a mesma, idêntica, aposta que mesmo Jesus não teve o medo de fazer com os seus. O que teria feito Jesus no hipotético caso em que, diante do desafio “Também vocês querem ir embora?”, todos os discípulos o tivessem abandonado? Ninguém tem dúvida: teria recomeçado sozinho. O que pode permitir uma tal capacidade de retomada, nas atuais circunstâncias históricas? Podemos começar a entrever a resposta se tentarmos nos identificar com Jesus: o que Lhe teria permitido recomeçar do início? É evidente que Ele não poderia ter se apoiado sobre uma lógica de grupo, dado que, segundo a nossa hipótese, teria ficado sozinho. Para poder enfrentar este desafio é preciso sair de “uma lógica de grupo para uma dimensão da consciência pessoal”. Jesus estaria constrangido a apoiar tudo sobre o conteúdo da sua auto-consciência, da sua pertença ao Pai. “Qual é o conteúdo desta dimensão de consciência pessoal? A definição do eu é ‘pertença’. A pertença define aquilo que eu sou; como o ser filho é definido pela pertença ao pai e à mãe; e não é escravidão, porque tal pertença não é extrínseca. Dizer que o eu é relacionamento com o Infinito quer dizer que a essência do eu, no sentido estrito da palavra, é pertença a um Outro”. Assim, dom Giussani indica que aquilo que poderia fazer com que cada um recomeçasse do início é a mesma coisa que permitiu a Jesus começar: a consciência da sua pertença ao Pai. Não é, portanto, uma capacidade nossa, uma energia pessoal, uma bravura nossa, mas é o êxito de uma pertença. Deste modo, dom Giussani identifica o objetivo último da obra salvífica de Cristo. De fato, Ele se tornou homem, morreu e ressuscitou, para que, mediante o dom do Espírito, pudéssemos viver com a consciência de filhos, como “filhos no Filho”. Tomar consciência do nosso ser filhos, da nossa pertença ao Pai, é o objetivo de toda educação cristã, que verifica a sua verdade na capacidade do eu – educado assim – de recomeçar do início, se todos fossem embora. Isto esclarece o caminho que cada um de nós deve buscar percorrer: que a vida se torne um caminho que nos faça sempre mais certos e conscientes da nossa pertença. Mas conquistar esta consciência é possível apenas se é verificada nas circunstâncias da vida: “O impacto com as circunstâncias, o relacionamento com a realidade, não é outra coisa que o acontecimento da vida como vocação, na qual o ‘sujeito’ é a pertença àquilo que nos aconteceu – Cristo dentro da fragilidade efêmera da comunidade –, enquanto que o conteúdo ‘objetivo’, sobre o qual este sujeito é chamado a agir, é o encontro com este complexo de circunstâncias dirigidas a um fim a que chamamos ‘vocação’, porque Deus não faz nada por acaso. O complexo de circunstâncias solicita o sujeito e ele age segundo a origem totalizante que tem dentro de si, segundo aquele princípio formal, aquele princípio determinante, que foi o encontro”. Atingir esta consciência é uma luta que pede a cada um de nós a disponibilidade à conversão, quer dizer a viver segundo uma outra mentalidade. A razão é evidente. Esta posição contrasta com a postura difundida neste preciso momento histórico, no qual somos chamados a viver a fé, e nos penetra muito mais do que pensamos: “O homem moderno acreditou que poderia evitar tudo dizendo: ‘O homem pertence a si mesmo’, que é maior mentira de todas, porque antes ele não existia, de modo que afirmar isso vai contra a evidência mais clara que existe. ‘O homem pertence a si mesmo’ quer dizer: o homem se torna posse do poder, pertence ao poder, isto é, pertence a outros homens que o determinam”. As consequências desta escolha agora são muito mais documentáveis do que quando foram ditas estas palavras, na metade dos anos 80: “Meus amigos, estamos em uma época de muito perigo. Estamos em uma época na qual as correntes não são mais presas aos pés, mas à mobilidade das primeiras origens do nosso eu e da nossa vida. O Ocidente está, não lentamente, mas violentamente, empurrando toda a realidade humana, mesmo a nossa, para o ‘gulag’ de uma servidão mental e psicológica inaudita: a perda do humano, da qual Teilhard de Chardin já assinalava qual era o sintoma mais impressionante, que é a perda do gosto de viver”.
Sai o novo volume das “palestras” de Luigi Giussani: Julián Carrón evidencia a intuição do fundador de CL sobre o risco de perder todo sentido do humano
“Um homem culto, um europeu dos nossos dias pode acreditar, acreditar mesmo, na divindade do filho de Deus, Jesus Cristo?”. Talvez, ninguém mais do que Dostoievski, em Os Irmãos Karamazov, soube colocar de modo tão sintético e peremptório o desafio diante o qual se encontra o Cristianismo na modernidade. Dom Giussani teve a coragem de enfrentar este desafio histórico, radicalizando-o, se possível. De fato, ele aposta tudo na capacidade de sua proposta educativa gerar um tipo de sujeito cristão que “mesmo se todos fossem embora – todos! –, quem tem essa dimensão de consciência pessoal (que a fé gera) não pode fazer outra coisa que recomeçar sozinho”. É a mesma, idêntica, aposta que mesmo Jesus não teve o medo de fazer com os seus. O que teria feito Jesus no hipotético caso em que, diante do desafio “Também vocês querem ir embora?”, todos os discípulos o tivessem abandonado? Ninguém tem dúvida: teria recomeçado sozinho. O que pode permitir uma tal capacidade de retomada, nas atuais circunstâncias históricas? Podemos começar a entrever a resposta se tentarmos nos identificar com Jesus: o que Lhe teria permitido recomeçar do início? É evidente que Ele não poderia ter se apoiado sobre uma lógica de grupo, dado que, segundo a nossa hipótese, teria ficado sozinho. Para poder enfrentar este desafio é preciso sair de “uma lógica de grupo para uma dimensão da consciência pessoal”. Jesus estaria constrangido a apoiar tudo sobre o conteúdo da sua auto-consciência, da sua pertença ao Pai. “Qual é o conteúdo desta dimensão de consciência pessoal? A definição do eu é ‘pertença’. A pertença define aquilo que eu sou; como o ser filho é definido pela pertença ao pai e à mãe; e não é escravidão, porque tal pertença não é extrínseca. Dizer que o eu é relacionamento com o Infinito quer dizer que a essência do eu, no sentido estrito da palavra, é pertença a um Outro”. Assim, dom Giussani indica que aquilo que poderia fazer com que cada um recomeçasse do início é a mesma coisa que permitiu a Jesus começar: a consciência da sua pertença ao Pai. Não é, portanto, uma capacidade nossa, uma energia pessoal, uma bravura nossa, mas é o êxito de uma pertença. Deste modo, dom Giussani identifica o objetivo último da obra salvífica de Cristo. De fato, Ele se tornou homem, morreu e ressuscitou, para que, mediante o dom do Espírito, pudéssemos viver com a consciência de filhos, como “filhos no Filho”. Tomar consciência do nosso ser filhos, da nossa pertença ao Pai, é o objetivo de toda educação cristã, que verifica a sua verdade na capacidade do eu – educado assim – de recomeçar do início, se todos fossem embora. Isto esclarece o caminho que cada um de nós deve buscar percorrer: que a vida se torne um caminho que nos faça sempre mais certos e conscientes da nossa pertença. Mas conquistar esta consciência é possível apenas se é verificada nas circunstâncias da vida: “O impacto com as circunstâncias, o relacionamento com a realidade, não é outra coisa que o acontecimento da vida como vocação, na qual o ‘sujeito’ é a pertença àquilo que nos aconteceu – Cristo dentro da fragilidade efêmera da comunidade –, enquanto que o conteúdo ‘objetivo’, sobre o qual este sujeito é chamado a agir, é o encontro com este complexo de circunstâncias dirigidas a um fim a que chamamos ‘vocação’, porque Deus não faz nada por acaso. O complexo de circunstâncias solicita o sujeito e ele age segundo a origem totalizante que tem dentro de si, segundo aquele princípio formal, aquele princípio determinante, que foi o encontro”. Atingir esta consciência é uma luta que pede a cada um de nós a disponibilidade à conversão, quer dizer a viver segundo uma outra mentalidade. A razão é evidente. Esta posição contrasta com a postura difundida neste preciso momento histórico, no qual somos chamados a viver a fé, e nos penetra muito mais do que pensamos: “O homem moderno acreditou que poderia evitar tudo dizendo: ‘O homem pertence a si mesmo’, que é maior mentira de todas, porque antes ele não existia, de modo que afirmar isso vai contra a evidência mais clara que existe. ‘O homem pertence a si mesmo’ quer dizer: o homem se torna posse do poder, pertence ao poder, isto é, pertence a outros homens que o determinam”. As consequências desta escolha agora são muito mais documentáveis do que quando foram ditas estas palavras, na metade dos anos 80: “Meus amigos, estamos em uma época de muito perigo. Estamos em uma época na qual as correntes não são mais presas aos pés, mas à mobilidade das primeiras origens do nosso eu e da nossa vida. O Ocidente está, não lentamente, mas violentamente, empurrando toda a realidade humana, mesmo a nossa, para o ‘gulag’ de uma servidão mental e psicológica inaudita: a perda do humano, da qual Teilhard de Chardin já assinalava qual era o sintoma mais impressionante, que é a perda do gosto de viver”.
* Artigo publicado no Jornal Avvenire, do dia 01/07/2009 (p. 28). Traduzido por Paulo R. A. Pacheco.
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