segunda-feira, 20 de julho de 2009

A magia não é mais um jogo surpreendente


Cenários apocalípticos e resultados convincentes para o filme “Harry Potter e o enigma do Príncipe”.

por Gaetano Vallini


Tornados ainda mais arrogantes com o retorno de Lord Voldemort, o senhor das trevas, os Comensais da Morte não poupam nem mesmo os mundo dos “trouxas”. O terror se abate sobre Londres, sob um céu repentinamente ofuscado por nuvens estranhas e ameaçadoras. O objetivo escolhido é a Millennium Bridge, que desmorona em uma espiral de destruição. Uma demonstração de potência da parte das forças do mal, que querem escravizar o mundo dos magos para o senhor das trevas; um universo paralelo no qual é vetado interferir no mundo dos homens normais e onde a magia negra é repudiada. A mesma da qual se nutre Voldemort.
Abre-se com este inquietante cenário apocalíptico Harry Potter e o enigma do Príncipe – sexto capítulo da saga nascida da pena de J. K. Rowling, que narra as aventuras do jovem mago tímido e adolescente. Passaram-se nove anos desde o primeiro episódio e o protagonista deve enfrentar, agora, desafios bem superiores às suas capacidades. A magia não é mais o surpreendente passatempo dos inícios; as provas que devem ser superadas são arriscadas e assustadoras, não são mais aventuras para crianças, mesmo que especiais e dotadas de poderes excepcionais. Agora – como se havia já entendido no episódio anterior –, arrisca-se, de fato, a vida e a aposta em jogo é altíssima: impedir que as forças das trevas vençam.
Nas salas de todo o mundo, desde o dia 15 de julho, distribuído pela Warner, Harry Potter e o enigma do Princípe é o melhor filme da série. O lado escuro da aventura assume consistência, caracterizando com tintas fortes toda a estória. Pode-se dizer que, crescidos os personagens – adolescentes às portas da idade adulta –, cresceu também o tom da narração. E o espetáculo ganha com isso. Isto, graças ao trabalho do diretor David Yates que tinha dirigido também o quinto episódio, Harry Potter e a Ordem da Fênix, e por Steve Kloves que tinha adaptado os primeiros quatro livros. Além do mais, neste filme o misto de suspense sobrenatural e romatismo – Harry, Ron, Hermione e os outros jovens estudantes de Hogwarts começam a sentir os chamados das paixões – atinge o equilíbrio exato, tornando mais credível as aventuras dos protagonistas, chamados a se confrontar também com os mesmos problemas dos seus coetâneos “trouxas”. Porém, as pequenas e grandes estórias de amor que se cruzam – entre esperas e desilusões e não poucas situações engraçadas – tiram um pouco o tempero da tensão que cresce ao longo do filme. Mas, sublinham que não existem fórmulas mágicas para evitar os “perigos” da adolescência. Neste sentido, estamos diante de um percurso de formação. Que, porém, é só um acompanhamento para o prato principal.
Nos corredores da escola, o amor está no ar, mas a tragédia ameaça e Hogwarts – que não aparece mais como um refúgio seguro – não será mais a mesma. Um estudante fica de lado destas temas, tomado por questões muito mais importantes, determinado por deixar uma marca, mesmo que escura. É Draco Malfoy, chamado por Lord Voldemort para cumprir uma missão enorme, decididamente muito para a sua idade. Mas Draco – que atrás da máscara de durão esconde uma personalidade frágil e vulnerável – aceita: quer a fama, para vingar-se de seu rival de sempre, Harry Potter. Este último, porém, suspeita que, no castelo, se escondam novos perigos; está convencido de que Draco tenha se tornado um Comensal da Morte.
O diretor, o sábio Professor Dumbledor, nesse meio tempo, sente que a batalha final se aproxima. E pede ajuda a Harry – que, agora, já é definitivamente reconhecido como o Eleito para vencer Voldemort – para descobrir como penetrar nas defesas do senhor das trevas... informação fundamental que somente o ex-professor de poções, Horácio Slughorn (esplendidamente interpretado por Jim Broadbent), conhece e guarda entre as memórias de seu passado. Assim, Dumbledor convece o velho colega para retomar a sua cátedra.
Entre conflitos amorosos e partidas de Quadribol, a estória prossegue com as tentativas de Harry Potter de conseguir a confiança do professor e arrancar dele o segredo da imortalidade de Voldemort, o que o levará ao Ades, depois de ter atravessado, em uma barca (sem Caronte) um rio que relembra o Aqueronte. No fim do episódio, descobriremos – como já bem sabem os afixionados pela saga – que o jovem mago ficará sozinho na sua batalha, depois de uma trágica passagem de entrega. Mas, para saber se conseguirá cumprir a sua missão deverá esperar os próximos dois filmes, nos quais será dividido o último livro de Rowling.
Neste longa metragem, mais do que nos anteriores, as tramas narrativas são muitas. A psicologia dos personagens toma uma forma mais precisa. No quinto capítulo, Harry vivia um período difícil, atormentado por sonhos e por demônios pessoais, na recordação dos pais mortos por Voldemort. E estava em busca de respostas. Agora, parece não ter mais necessidade disso. Não se faz muitas perguntas; sabe que tem uma missão importante para cumprir. Confia em Dumbledor, que não o trata mais como um aluno, mas como um amigo. E está consciente de que o mundo mágico não está mais livre de invasões, comparado com aquele no qual cresceu.
As sombrias imagens de Hogwarts, que, até agora, se apresentava com um mundo desconhecido, tornam ainda mais dominante a tragédia que está para acontecer. Tudo parece preparar e levar para a batalha final entre o bem e o mal. Que, a partir de agora, se tornam os verdadeiros protagonistas da saga, em torno dos quais, no passado, se acenderam não poucos debates. Antes, falava-se de espiritualidade new age; acusava-se de instigar nos jovens a fuga da realidade e de instilar neles a ilusão de que existem poderes sobrenaturais com os quais se pode controlar a paz do mundo. Enfim, era considerada uma saga deseducativa e mesmo anti-cristã.
Seguramente, na visão proposta por Rowling, falta uma referência à transcendência, a um desígnio providencial nos quais os homens vivem as suas histórias e a História toma forma. Assim como é verdade que, como no mecanismo clássico das fábulas, o protagonista é envolvido em aventuras nas quais a magia é quase sempre uma instrumento nas mãos das redes do mal. Todavia, em Harry Potter, o lado positivo da magia não é personificado por magos sábios, fato que não permite identificar claramente a obra da Providência, tornando menos evidente a diferença entre as forças que estão em jogo.
Do mesmo modo, não se pode afirmar que a bruxaria – mas, neste caso, seria melhor falar de magia – seja colocada como um ideal positivo. Pelo contrário, parece bem clara a linha de demarcação entre quem faz o bem e quem faz o mal, e a identificação do leitor e do espectador não tem dificuldades para se dirigir para os primeiros. Neste último filme, particularmente, a distinção é clara. Ficamos certos que fazer o bem é a coisa mais justa. E compreendemos também como isto, às vezes, é difícil e exige sacrifício.
Além do mais, a busca de imortalidade, emblema de Voldemort, é, neste filme, estigmatizada. E, por isso, não serve como recurso para a magia. É uma sabedoria atávica que sugere que não devemos ceder aos chamados de uma impossível felicidade eterna na terra e da ilusão de que tudo seja possível.
As meta-leituras desta fábula transcendem, às vezes, as reais intenções da autora, que busca apenas desmascarar – isto sim – o mito de uma razão que pretende ter uma resposta para tudo. Seguramente, vão além as interpretações que uma criança ou um adolescente são capazes de dar. É mais provável que, no fim da visão ou da leitura, mais do que o fascínio da magia (que permanece apenas como um pretexto encantado), restem as cenas que lembram valores como amizade, altruísmo, lealdade, dom de si.
No fim das contas, basta lembrar aquilo que, no primeiro episódio, o guarda-caças Hagrid responde para Harry Potter que lhe pergunta para que serve um Ministério da Magia: “Bem... o objetivo mais importante é permitir que os Trouxas não saibam que existem bruxas e magos andando por aí”. “E por quê?”. “Por quê? Mas, por favor, Harry!... Porque todos, então, iriam querer resolver seus problemas com a magia”.


* Extraído de L’Osservatore Romano de 13/14 de julho de 2009. Traduzido por Paulo R. A. Pacheco.

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