Asunción, 24 de abril de 2009.
Caros amigos,
“Padre Aldo, você acredita nisso?” – sinto-me como que perguntado por Jesus, enquanto tenho o coração despedaçado, olhando o cadáver da minha filha Alice, que acabou de morre, com 22 anos... enquanto embalo a pequena Yasmina, a mais velha de suas três filhas.
Yasmina vive comigo, junto com outras 20 crianças, na Casinha de Belém. Tem 8 anos.
Recolhi Alice na rua, destruída pela AIDS. Sozinha no mundo, usada e abusada por todos. Entrava e saía da nossa clínica. O amor por ela sempre foi grande, mas a sua liberdade muito frequentemente lhe fechou os olhos e, como o filho da parábola, no final, ela sempre seguia seus próprios pensamentos. Mas, ela sabia sempre que o meu coração estava com ela. E, assim, depois de meses, ela voltou, mas para morrer. Era muito bonita e, agora, vendo-a ao meu lado morta, é ainda mais bela. A morte, quando a misericórdia de Deus entra na liberdade humana, transfigura até mesmo o corpo, mostrando o “já” da ressurreição.
Yasmina está aqui comigo e com a mãe adotiva, Cristina – a mãe das 20 crianças. Perguntei-lhe, enquanto fixava seus belos olhos negros em mim, “onde está a mamãe?”, e ela respondeu: “no céu”. Rezamos juntos o rosário e, depois, mandei-a de volta para a Casinha de Belém. Ela não derramou uma única lágrima, diferentemente de mim. Mas, conhecendo-a, sei que o seu pequeno coração, desde que foi concebida, só conheceu a dor. Que dor, para mim!! Sim! Porque a virgindade torna o homem um pai, como nenhuma outra vocação no mundo. Sinto fisicamente a dor, de tal forma que sinto vontade de dizer a Jesus o que Marta disse – “se Tu estivesses aqui antes...”. Mas, Ele me responde: “Padre Aldo, Eu sou a ressurreição e a vida, quem acredita em Mim não conhecerá a morte. VOCÊ ACREDITA NISSO?”. “Sim, Senhor, acredito. Como acredito também que não tem nada no mundo que impeça esta certeza: nem a depressão, nem o câncer, nem a AIDS”.
Ao lado de Alice, jaz, morta por um câncer, Carmen, de 53 anos, enquanto que, no quarto ao lado, está morrendo Susanna, uma senhora sozinha no mundo depois de um acidente aéreo que matou os seus 5 jovens filhos, o marido e todos os parentes. Quanta dor!
Porém, vejo em mim a familiaridade com Cristo, porque este é o problema – mesmo na dor maior –, porque quanto mais você é consciente de ser todo de Cristo, tanto mais sente como sua cada dor do homem... mesmo na grande dor, vivo a certeza da positividade do real.
Alice, graças à AIDS, saiu da rua, veio para cá e aqui encontrou Jesus. Quando li o seu diário pessoal, fiquei desconcertado de ver todas as violências que sofreu, desde o nascimento. E, no entanto, Deus, que não esquece nenhum de seus filhos, a conduziu até aqui, onde ela viu o Seu rosto e, olhando para o rosto de Deus, morreu.
Caros amigos, tenho, de fato, uma grande graça – a graça da esperança, que é já visível em mim e nos meus moribundos do Paraíso; a graça da realização da minha humanidade e da humanidade de vocês.
Outro dia, na Escola de Comunidade com os doentes terminais ainda “hábeis”, Marciana, uma bela garota de 20 anos, já perto do fim, disse: “agradeço a Deus de estar aqui, neste lugar, porque vejo que a esperança é um fato presente, é o ar que eu respiro. Estou contente e ofereço tudo a Jesus”.
Amigos, para mim, a Escola de Comunidade sobre a esperança é tocada com a mão. É como se a morte cotidiana dos meus moribundos me fizesse tocar fisicamente cada palavra de Giussani e de Carrón. Então, mesmo as noites de insônia, o mal humor, o cansaço, as dificuldades, a dramática situação do país (com o caos do Presidente-Bispo – ou melhor, ex-bispo – que, pior do que um terremoto, está desconjuntando a Igreja e a sociedade), tudo se torna possibilidade para dizer: “... mas Cristo ressuscitou”. Ressuscitado a tal ponto que, no último domingo, uma das nossas enfermeiras quis se casar depois de 10 anos de concubinato. Casou-se na clínica, circundada por nós, que carregamos os sinais da morte nos olhos. E ela quis isso porque aqui – palavras suas – encontrou a fé, a esperança e a caridade.
Com afeto
P.e Aldo
Amigos, rezem por mim porque, de verdade, como diz São Gregório, “se não fóssemos Teus, seríamos criaturas finitas” e exauridas.
Olhem a foto da minha Alice há um mês atrás, quando chegou aqui para morrer.
“Morte, onde está a tua vitória?!”
Alice, agora, é verdadeiramente a minha Alice.
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