quarta-feira, 1 de julho de 2009

O sentido da Caritativa


por Luigi Giussani

Objetivo
1. Antes de mais nada, a nossa natureza exige que nos interessemos pelos outros. Esta é uma exigência que a natureza humana traz consigo.
De fato, quando há algo de grande e de belo em nós, sentimo-nos impulsionados a comunicá-lo aos outros. Quando vemos outras pessoas que estão em uma situação pior do que a nossa, sentimo-nos impelidos a ajudá-las, compartilhando algo que é nosso. Tal exigência é tão original, tão natural, que existe em nós mesmo antes que tenhamos consciência dela, e por isso nós a denominamos justamente lei da existência.
Participamos do gesto de "caritativa" para satisfazer esta exigência.

2. Quanto mais nós vivemos esta exigência e este dever, tanto mais nos realizamos: compartilhar com os outros o que somos nos proporciona a experiência de viver segundo todas as dimensões da nossa pessoa. Tanto isto é verdade que, quando não conseguimos nos doar, sentimo-nos diminuídos, falta-nos algo.
O fato de nos interessarmos pelos outros, de nos comunicarmos aos outros, leva-nos a cumprir o supremo, aliás, o único, dever da vida, que é o de realizar a nós mesmos.
Nós participamos da "caritativa" para aprender a cumprir este dever.

3. Cristo nos fez entender o porquê profundo de tudo isso, revelando-nos a lei última do ser e da vida: a caridade. A lei suprema do nosso ser é compartilhar o ser com os outros, é pôr em comunhão a si mesmo.
Somente Jesus Cristo nos diz isto, porque Ele sabe o que é cada coisa; quem é Deus, do qual nascemos, e o que é o Ser.
Consigo entrar mais no significado da palavra "caridade" quando penso no fato de que o Filho de Deus, amando-nos, não nos enviou as suas riquezas, como poderia ter feito, revolucionando a nossa situação de homens, mas se fez pobre como nós, compartilhou a nossa nulidade.
Nós participamos da "caritativa" para aprender a viver como Cristo.

Consequências
1. A caridade é a lei do ser e vem antes de qualquer simpatia e de qualquer comoção. Por isso, o fato de fazer algo pelos outros é despojado de tudo e pode ser feito também sem entusiasmo. Poderia muito bem não ter nenhum resultado assim chamado "concreto"; de fato, para nós, a única atitude "concreta" é a atenção à pessoa, a consideração pela pessoa, isto é, o amor.
Todo o resto poderá vir como consequência: como Jesus que somente depois fez os milagres e tirou a fome das pessoas.
Devemos frisar dois pontos de partida que ainda não estão claros, para que possamos nos abrir aos outros.

a. Ir ao encontro das necessidades dos outros
Este é um ponto de partida ainda incompleto! Qual é a necessidade do outro?
Esta postura é ambígua, depende do que nós acreditamos ser a necessidade do outro: pode ser que aquilo que eu levo não seja verdadeiramente aquilo de que o outro necessita. Eu não sei do que o outro verdadeiramente necessita, eu não posso "medi-lo", não é uma coisa minha. É uma medida que eu não possuo: é uma medida que está em Deus. Por isso, as "leis" e a "justiça" que nós fazemos podem esmagar o outro quando esquecem ou quando têm a pretensão de substituir o único bem "concreto" que existe: a pessoa e o amor à pessoa.

b. A amizade
Também seria incompleto se começássemos apostando tudo no fato de construir uma amizade com o outro, porque ela pode carregar consigo ainda uma ambiguidade. A amizade implica uma correspondência que pode não ocorrer e que, portanto, não é um acontecimento essencial para a nossa ação de hoje, ainda que seja essencial para o nosso destino final.

2. Ir ao encontro do outro livremente, começar a compartilhar a sua vida, começar a compartilhar a nossa, tudo isso nos leva a descobrir uma coisa sublime e misteriosa (mas isto se entende fazendo!).
Trata-se da descoberta do fato de que, justamente porque nós os amamos, não é a nossa ação que os torna felizes; de fato, nem mesmo a mais perfeita sociedade, ou a organização mais forte e sábia, nem a maior riqueza do mundo ou a saúde mais perfeita, nem mesmo a beleza mais pura ou a civilização mais aprimorada poderá torná-los felizes.
Somente um Outro poderá torná-los felizes. Quem é a razão de tudo? Quem é que fez tudo o que existe? DEUS.
Então Jesus não é apenas aquele que explica a palavra mais verdadeira, que explica a lei da minha realidade, não é somente a luz que ilumina a minha mente: eu descubro que Cristo é o significado da minha vida.
É belíssimo o testemunho de um de nós que, depois de ter experimentado este valor, disse: "Eu continuo participando da caritativa, porque todo o sofrimento meu e deles tem um sentido". Esperando em Cristo, tudo tem um sentido: Cristo.
Consigo, finalmente, descobrir tudo isto somente participando do gesto da "caritativa", exatamente pela impotência final do meu amor: e esta é a experiência em que a inteligência se aprofunda na sabedoria, na verdadeira cultura.

3. Mas o Cristo está presente agora: não é verdade que somente "nasceu e viveu em..." ou que "esteve presente"; Ele "está aqui", "nasce e vive" hoje: é a Igreja. A Igreja é o Cristo, presente aqui e agora, como Ele quis.
E a Igreja é a comunidade que nós formamos, nós mesmos, pobres, mas apegados a Ele. Por isso, a esperança nos sustenta: o próprio Deus está entre nós.
Um de nós, num encontro, disse: "Continuo indo lá porque vocês vão comigo". É verdade, é este justamente o sentido do nosso estar juntos, o sentido da comunidade eclesial, que nos leva hoje a seguir adiante, junto aos excepcionais, ou com as crianças, com os doentes ou nos asilos, com qualquer um que necessite e, amanhã, no escritório ou na fábrica, na cidade, na América Latina ou no mundo, que é tão grande e que espera por Ele.

Diretrizes
A referência ao Movimento deve ser contínua, para não se correr o risco de perder a procura da idéia profunda que nos sustenta na ação para o outro; e assim ficaria maior o perigo do desânimo, do cansaço ou da infidelidade.
A fidelidade em confiar nas indicações do Movimento e daqueles que são os responsáveis é o primeiro mérito e terá o devido fruto.
As diretrizes que Comunhão e Libertação dá sobre a "caritativa" são três:

1. Saber o porquê
Enquanto não soubermos bem, com clareza e simplicidade, o porquê último, o objetivo do nosso fazer, não poderemos nunca ficar sossegados. O nosso objetivo é extrair o sentido daquilo que fazemos, extrair a única idéia pela qual conseguiremos ficar fiéis, mesmo quando não tivermos mais entusiasmo ou não experimentarmos mais o gosto.
Então, será preciso dialogar nos nossos encontros, nos grupos, com os responsáveis da comunidade, com as pessoas mais maduras e que vivem mais. Sobretudo fazer uma revisão, de vez em quando, com as pessoas ligadas ao "centro" do Movimento.

2. Fazer para compreender
Para compreender não basta saber, é preciso fazer, com aquela coragem da liberdade, que é a de aderir ao ser que se vê, isto é, à verdade. Se a lei da existência é colocar em comum a si mesmo, deveríamos compartilhar tudo a todo instante.
Esta é a maturidade suprema, que se costuma chamar humanidade ou santidade. Olhando para um caminho educativo para este ideal, o fato de sermos obrigados pelas circunstâncias (o que chamamos normalmente "dever") leva a uma dificuldade muito maior.
É o pequeno tempo livre que me educa: aquilo que dá a medida exata da minha disponibilidade aos outros é o uso daquele tempo que é só meu, no qual posso fazer "aquilo que eu quero". Desta forma, nasce em nós uma mentalidade, um modo quase instintivo de conceber toda a vida como um compartilhar, como uma partilha.
O pequeno tempo livre redime todo o resto. E, aos poucos, participando do gesto da "caritativa", começamos a entender mais o colega de classe, o pai, a mãe, o companheiro de trabalho.
O momento em que podemos assimilar esta mentalidade com agilidade é sobretudo quando somos jovens; pelo menos é o que acontece normalmente. E é só começando a fazer, a doar parte do tempo livre, como gesto integral de liberdade, que a caridade cristã se tornará mentalidade, convicção, dimensão permanente.
Deve-se notar que não nos interessa tanto a multiplicidade de atividades, a quantidade de tempo livre que dedicamos a isso. O que nos interessa é que na nossa vida e na nossa consciência se afirme o princípio da partilha ao menos através de algum gesto, mesmo que seja mínimo, desde que seja sistematicamente vivido e realizado. Por isso, seria suficiente, como início, participar da "caritativa" apenas uma vez por mês. Também no que diz respeito à periodicidade do empenho, é bom consultar quem na comunidade pode corretamente nos aconselhar.

3. Ordem
É o tempo livre que devemos empenhar (indo o mais a fundo possível). Duplo é o limite que faz com que a genialidade do tempo livre esteja dentro de uma ordem:
a. não prejudicar o estudo (ou o trabalho);
b. não perder a discrição na família.
Aqui também será o diálogo pessoal com a autoridade familiar e com a do Movimento que ajudará cada um a alcançar um critério para definir o seu tempo livre.

* Traduzido por Vando Valentini; extraído do site da Revista Passos.

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