quarta-feira, 1 de julho de 2009

Sem gratuidade, não existe relação humana


Texto extraído do jornal editado pelas Obras San Rafael, do Paraguai - Observador Semanal: palavras de certeza e esperança -, do dia 21 de maio de 2009 (p. 2).


por P.e Aldo Trento

Num mundo que busca apenas a carreira, o êxito, entrar no “Guiness Book”, em um mundo onde o feminismo é uma reação sintomática à idiotice e à ausência de virilidade do machismo, e que, por consequência, fez perder a identidade na diferenciação de papéis, um fato como o que aconteceu a 7.500 metros de altitude, na Cordilheira do Himalaya, a grande cordilheira asiática, não pode não nos comover. E, de fato, até mesmo os jornais italianos que deram a notícia derramaram uma “gota de comoção”, algo anormal para a imprensa.
Nives Morai e Romano Benet são um casal que, desde sempre, vive “apaixonado” pelas montanhas e, em particular, por aquele esporte que costumam chamar de “montanhismo”. Quer dizer, subir os cimos mais difíceis do mundo, usando apenas as ferramentas indispensáveis e toda a capacidade e energia física pessoais. Um esporte tão apaixonante quanto perigoso, e que só os que amam o céu, os que vivem com um coração que grita como o motor de uma Ferrari podem sonhar.
Não é um esporte para preguiçoso, para medrosos, para fracos, para os que vivem empurrados pela vida, para o que só querem ter um lugar ao sol. É um esporte que, para ser autêntico, precisa ter fé, necessita de uma consciência clara do próprio limite, da própria finitude. Não o é para quem pretende desafiar a Deus, como Prometeu, mas para quem humildemente queira entrar na profundidade do real, conhecê-lo, amá-lo, possui-lo, para encontrar aquele significado último que contém; para quem, atento ao grito da realidade, escuta sua poderosa afirmação: “Deus existe!”. Aqueles que, surdos a este anúncio da realidade, viveram a pretensão de Prometeu, transformaram este belíssimo esporte na sua própria tumba... mortos pelo orgulho.
Porém, existem aqueles que, como Romano e Nives, reconheceram os próprios limites, a aparente derrota diante da realidade que, de repente, impõe a necessidade de escolher entre o orgulho de alcançar sozinha (Nives) o cume do monte Kanchenjunga (a 8.586 metros de altitude), deixando o marido, cansado e impotente, nos 7.500 metros, morrendo. Ela preferiu, sem a menor dúvida, renunciar à meta que estava próxima, que lhe daria a glória, para ficar ao lado do marido, socorrê-lo, animá-lo, pedir ajuda. E, desta maneira, quando um grupo de auxílio chegou ao lugar onde eles estavam para resgatá-los, foi possível voltar para o “campo base”, ao ponto de partida, e para a Itália.
“Renunciou ao seu décimo segundo ‘8.000 metros’ por amor ao marido”, era uma das manchetes dos jornais italianos, do dia 19 de maio de 2009. Talvez, para aqueles que não conhecem e, por isso, não gostam deste esporte, esta notícia não signifique nada. Não é o mesmo, porém, para mim que desde pequeno fui fascinado por este esporte. Porém, tem uma coisa que vale para todos e que é o exemplo de Nives, o que o seu testemunho grita: por amor a seu marido, com o qual sempre compartilhou o mesmo ideal, renuncia ao recorde, a uma proeza esportiva que a colocaria em primeiro lugar entre as mulheres capazes de alcançar picos impensáveis de montanhas perigosas e desconhecidas.
Quem de nós, nas pequenas coisas da vida, teria esta postura? Poucos, muito poucos. Vivemos pela carreira, pelo êxito, pelo dinheiro e nem mesmo um esgotamento nos impede de perseguir estes sonhos, estas ilusões. A falta de percepção da realidade, da consciência de que o que a define é o ideal, e o ideal coincide com uma experiência efetiva, autêntica, nos empurra para a loucura, para o desprezo da vida, para a falta de gratuidade e de capacidade de compartilhar, para a incapacidade de viver uma amizade.
Uma vez mais, lendo este belo gesto de amor, me senti confortado, porque onde existe o humano, onde o homem é ainda olhado como relação com o Mistério, como “eu sou Tu que me fazes”, se faz visível a gratuidade. E esta é a postura que se deve pedir sempre a Quem está na origem da própria humanidade - ao Mistério: “eu sou Tu que me fazes”.
* Traduzido por Paulo R. A. Pacheco

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